Jovino Pena, índio tucano, tem 68 anos e faz uma jornada de dois dias para receber a aposentadoria rural a que tem direito. Ele mora em Pari-Cachoeira, distrito de São Gabriel da Cachoeira, município que fica no noroeste do estado do Amazonas, onde moram 2.924 aposentados e pensionistas do INSS. Quase todos índios e vivendo em povoados isolados, como Pari-Cachoeira, missão católica hoje em ruínas.
A instalação de um banco postal, de pagamento de benefícios é promessa antiga: “Elas vêm aqui prometer, no tempo as política. Passam as eleições, eles não vêm mais aqui”, conta uma moradora. A única saída é ir até a sede do município. Não existe banco postal na região. “Tem que ir até São Gabriel da Cachoeira para receber a remuneração, querendo ou não”, aponta um índio.
O barco sai uma vez por semana. “No barco, passam aposentados, professores, agente indígena de saúde, até missionários salesianos”, conta o responsável pelo barco. São R$ 80 para ir e R$ 80 para voltar. Para retirar o beneficio de R$ 465 no banco, Jovino vai gastar, portanto, R$ 160 de passagem, sem contar os descontos e despesas de viagem. Sobram R$ 305 para passar o mês. Ele economiza na comida para evitar mais prejuízo: “Trouxe a comida de casa. É farinha com água. Quando encontro comida, como”.
Lauriano Rezende tem 70 anos e desistiu de pegar o barco: “Gasto muito com passagem”. Resolveu fazer o que fazem a maioria dos aposentados de Pari-Cachoeira: “Entreguei o cartão de aposentado para meu patrão. Ele não rouba”. À família, resta a confiança cega no comerciante que retira a aposentadoria de Lauriano.
Estamos chegando à casa do aposentado mais velho de Pari-Cachoeira. Xavier tem 92 anos: “Já fui buscar o dinheiro no banco. Agora não dá mais”. Depois que levou um tombo no barco ficou com medo de viajar. Agora passa os dias esperando que alguém se ofereça para ir buscar o beneficio na próxima viagem do barco para São Gabriel da Cachoeira.
A jornada de Jovino, a confiança de Lauriano e a esperança de Xavier talvez possam ser resumidas na certeza de Otávio: “Muitos falam de cidadania, mas em Par-Cachoeira, dentro do Amazonas, na fronteira com a Colômbia, isso não existe”. O Ministério da Previdência disse que não pode pagar diretamente as aposentadorias.
Os postos volantes do INSS estão autorizados apenas, a fazer inscrições para benefícios. O pagamento tem mesmo de ser nos bancos postais ou nos correspondentes bancários, serviços que são operados pelos Correios. Os Correios, por sua vez, informaram que não há previsão de expansão do atendimento até o distrito de Pari-Cachoeira.
Fonte: G1