sábado, 21 de novembro de 2009

Documentário revela segredos do jornalismo de celebridades

O que o cabelo de Amy Winehouse pegando fogo e o olho roxo de Guy Ritchie têm em comum? Ambas as histórias apareceram nas páginas dos tablóides britânicos. E nenhuma delas é verdadeira. Os dois incidentes eram falsas pistas oferecidas aos jornais de celebridades pelos realizadores do novo documentário "Starsuckers", para testar se eles as utilizariam sem checar as informações. Foi o que aconteceu, e isso é mostrado no filme, que argumenta que a cultura às celebridades derrubou os padrões jornalísticos e deturpou valores da sociedade.

"Eu não sabia o quanto das notícias que lemos é feito de relações públicas, mentiras ou mesmo baseados em crimes", disse o diretor de "Starsucker", Chris Atkins, de 33 anos. O filme, que foi lançado recentemente no Festival de Cinema de Londres, mira nos tablóides britânicos de competição agressiva, mas seu verdadeiro alvo é bem mais amplo. Atkins acredita que a obsessão da sociedade pela fama - conquista-la e estar perto dela - provoca distorções em tudo à nossa volta, da forma como as notícias são publicadas às aspirações de nossas crianças.

Fama

O documentário começa com a afirmação de que "todo mundo é naturalmente e fortemente atraído pela fama" e tenta mostrar como as grandes empresas de entretenimento, notícias e relações públicas usam esse desejo para criar um mundo cheio de consumidores insaciáveis. Por meio de uma série de truques que lembram as polêmicas de Michael Moore, Atkins tenta mostrar como a dignidade, a verdade e até mesmo a lei podem ser jogadas fora na busca pela fama.

Atkins dedica particular atenção às estratégias dos reality shows, que podem distorcer a realidade e expandir limites quando se trata do que as pessoas são capazes de fazer para aparecer na televisão. O filme apresenta ao público um garoto chamado Ryan, morador de Nevada, que quer urgentemente ser famoso. Aos cinco anos, ele já é um veterano entre agentes, testes de elenco e aparições públicas.

Em outra sequência, Atkins instala uma cabine em um shopping inglês fingindo estar selecionando crianças para participar de um reality show. Os produtores flagraram pais satisfeitos assinando permissões para que seus filhos participassem de programas intitulados "Bebês beberrões" e "Leve sua filha para o matadouro", para o qual foram filmadas cenas de crianças tentando decapitar frangos de borracha.

Manipulação

Muitos críticos afirmam que Atkins manipula as pessoas da mesma forma que os programas que ele critica. "Armamos situações para que as pessoas aparecessem em nosso filme", reconhece Atkins, cujo longa-metragem mais recente, "Taking liberties", mostra o que ele considera a erosão dos direitos civils sob o comando do primeiro ministro britânico, Tony Blair.

"Sim, certamente tivemos nossas crises morais, mas eu acredito firmemente que estamos fazendo isso por um bem maior. Temos que servir a um interesse público mais amplo". Atkins usa os mesmos argumentos de defesa sobre suas tentativas de enganar jornalistas para provar que os tablóides britânicos não deixam os fatos atrapalharem a publicação de uma boa história.

Jornalismo pago e reportagens baseadas em fontes anônimas são práticas de longa data da imprensa popular britânica. Alguns desses métodos foram conhecidos em 2007, quando um jornalista inglês foi preso por grampear telefones de oficiais da realeza britânica. "Starsuckers" também traz cenas de câmera escondida em que Atkins tenta vender a repórteres de tablóide documentos médicos de cirurgias plásticas em celebridades. Comprar esses documentos é ilegal no Reino Unido, mas os repórteres abordados parecem animados. Eles não sabiam que era tudo falso. "Estamos tentando virar a mesa, inverter os papéis", diz Atkins.

Reações

Atkins conta que sua estratégia gerou cartas de advogados ameaçando processar os produtores do documentário. Mas muitas celebridades concordam com a mensagem de "Starsuckers", de que aquilo que sai nos tablóides não é 100% verdade. Perguntado sobre o documentário, o astro George Clooney afirma que a redução de pessoal nas redações de jornais e a chegada da internet significaram que a desinformação pode se espalhar instantaneamente pelo mundo.

"Alguém escreve uma reportagem do jeito que quer e logo ela aparece em 1.800 websites", diz Clooney. "Mesmo que seja falso, outros jornais e sites vão reproduzir as informações e dar o crédito aos tablóides. Assim, eles multiplicam coisas que não são necessariamente verdadeiras". Para Atkins, o problema é que a confusão entre realidade e ficção não acontece apenas nas reportagens de celebridades. Muitos editores de jornais britânicos já trabalharam como repórteres de celebridades. "São os mesmos jornalistas que escrevem sobre o cabelo de Amy Winehouse e armas de destruição em massa", diz o diretor.

Fonte: Jill Lawless/AP