sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O humor nos tempos do chip

Os especiais de fim de ano de Chico Anysio e Renato Aragão me deram a sensação de nostalgia por um lado e reflexão por outro. Assistindo as duas produções, cheguei àquilo que o Marcelo Tás, do CQC, tão poeticamente chama de "caixa cheia de micróbios chamada televisão brasileira": enquanto Renato teve sua vida dramatizada, contada por ele mesmo em entrevista e foram mostradas imagens de arquivo da trajetória de 50 anos do seu Didi Mocó, Chico Anysio, que criou mais de 100 personagens, teve uma homenagem muito abaixo do que merecia, pra não falar decepcionante.

Quem foi criança nas décadas de 1970 ou 1980, como eu fui, sabe do que estou falando. O Chico sempre foi bem mais malicioso e seu público era mais adulto, mas o Renato, junto com Os Trapalhões, é que fazia a felicidade da turma da "poltrona", a partir dos 2, 3 anos de idade. Não tinha criança que não parasse o que estava fazendo, todo domingo, às 7 da noite, para assistir as peripécias dos quatro heróis que tão bem simbolizavam o povo brasileiro: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Até hoje aquela musiquinha de abertura dos "Trapa" faz falta nas noites de domingo, quando o que se vê na telinha do "plim plim" é o Faustão e seu festival de bizarrices.

Os Trapalhões satirizavam tudo: das novelas globais a filmes estrangeiros, passando por dramatizações de músicas e "pegadinhas" incríveis. Quem poderá esquecer Renato empunhando aquele vestido vermelho, peruca, batom, pernas cabeludas e recebendo o "Muça" cheio do "mé", o Zacarias com o urso de pelúcia ao som de Terezinha, de Chico Buarque cantada por Maria Betânia? ("O primeiro me chegou/ como quem vem do florista/ trouxe um bicho de pelúcia/ e um broche de ametista..."). E, além de tudo, a cada 6 meses soltavam um filme, que na cabeça das crianças da época era o máximo! Que pena que os anos 80 acabaram...

A Globo acertou em cheio ao contar a história desse herói tão brasileiro chamado Didi Mocó, que apesar dos 50 aninhos continua criança. Mas por outro lado, a tal da "Vênus Platinada" prestrou um antifavor a todo mundo com o especial do Chico Anysio. Deu pena do cara. Como puderam colocar ele no ar na condição de saúde em que está? Personagens clássicos como o Popó, o Professor Raimundo e o Valfrido Canavieira saíram com a voz idêntica, as piadas sem graça, o intérprete lento, com olhar opaco e quase sem vida. 

Para alguém, como eu, que se acostumou a Justo Veríssimo dizendo em alto e bom som "Eu quero que o pobre se exploda" ou o Bento Carneiro mandando "Calunga, seu cafifento", a Globo desrespeitou um dos maiores humoristas de todos os tempos. Não seria mais digno contar a vida do Chico como em uma peça de teatro, colocando alguns dos seus melhores personagens em formato de marionetes ou coisa parecida? E por quê não mostraram arquivos do Chico em plena forma, já que o que o banco de imagens da emissora é vasto?

Os nossos ídolos envelhecem, o humor, guardadas as devidas proporções, também envelhece e o que se pode fazer é adaptar os formatos aos novos tempos. Na era digital em que se vive não seria moleza prestar um tributo de respeito ao Chico Anysio? Se ele vier a falecer este ano será muito triste ficar com a imagem dele já alquebrado, como mostrada no último especial. Chico Anysio merece respeito e não aqueles ex-BBBs falidos que colocaram pra "contracenar" com o mestre. Se queriam atrair audiência, o que conseguiram foi expor Chico ao ridículo total. Isso não tem perdão! 

Como já disse antes, o humor envelhece e não venham dizer que não. Basta assistir a "Escolinha do Professor Raimundo - Turma de 1991", que o canal Viva anda reprisando, para comprovar. Ali, Chico Anysio reuniu grandes nomes da história do humorismo nacional, como Walter D´ávila, Brandão Filho, Rogério Cardoso, Zezé Macedo e Berta Loran. Dando uma conferida nas piadas, sinto que a "Escolinha..." envelheceu. São piadas que, para os padrões a que nos acostumamos nessa primeira década do século 21, nem chegam a descontrair. O mesmo digo das "Aventuras do Didi", onde Renato Aragão, ainda hoje, insiste em continuar fazendo TV. No caso do ex-trapalhão, dá para identificar piadas, "apostas" e "pegadinhas" feitas há 30, 40 anos e agora requentadas e servidas na hora do almoço aos domingos.

O humorismo de hoje é bem mais malicioso. Aos domingos, o "Pânico na TV" ficou como uma espécie de substituto dos Trapalhões. Já o CQC, às segundas-feiras, cobre o buraco deixado por outro humorista de grande sucesso dos anos 80: Jô Soares. Até nisso o perfil é semelhante: enquanto a trupe de Emílio Surita é mais escrachada e popularesca, a turma de Marcelo Tás é um pouco mais refinada e irônica.


Agora quem tem acesso à TV paga assiste o "Cilada", por sinal estrelado por um dos filhos de Chico Anysio: Bruno Mazzeo. Caso a Globo colocasse o "Cilada" na programação convencional faria sucesso, com certeza. Mas a cabeça dos programadores e diretores comerciais da emissora veleja por outras paragen$, sem dúvida...

É isso aí "psit". E vamo que vamo que o show não pode parar.

Câmbio, desligo

Sérgio Augusto

Editor da Academia da Palavra

Fotos: Divulgação

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Distraídos são mais criativos que os compenetrados, diz estudo

Quem diria: se distrair pode ser a melhor maneira de resolver um problema difícil de forma criativa. "Distração" costumava ter uma conotação negativa em estudos médicos; por exemplo, pesquisas que mostram o maior risco de causar um acidente de carro ao se distrair falando ao celular. Mas trabalhos recentes têm demonstrado que a distração está vinculada à criatividade, especialmente na hora de resolver problemas complexos. Só que até certo ponto: em excesso, distração combina com esquizofrenia -um distúrbio psíquico que pode incluir alucinações, delírios e fuga da realidade.

Como a distração ajuda a ser criativo e produzir soluções? Para muita gente, a prática de "dar um tempo", "fazer uma pausa no trabalho", costuma fazer a resposta para um problema surgir de repente, como mágica. É só assistir ao seriado "House" (Universal) para entender como funciona. O médico Gregory House e sua equipe são escalados para diagnosticar e tratar apenas os casos mais cabeludos.

O enredo tem uma fórmula básica. Eles passam três quartos do programa raciocinando logicamente sobre sintomas, tratamentos e causas de doenças. Mas só no fim do episódio, quando House se distrai ou tem a atenção chamada para algo bizarro, que uma resposta "clica" no seu cérebro.

EVOLUÇÃO

Ignorar estímulos irrelevantes ao nosso redor é uma conquista da evolução biológica. Um animal que presta atenção a tudo e caminha pelos prados distraído acaba não percebendo o predador até que seja tarde demais. Essa capacidade de abstrair o ruído inútil é chamada de inibição latente. Esquizofrênicos têm inibição latente muito reduzida; prestam atenção a tudo, e por isso, paradoxalmente, fogem da realidade. Mas esse traço também caracteriza pessoas saudáveis e altamente criativas.

Um estudo feito pela equipe de Fredrik Ullén, do Instituto Karolinska, da Suécia, publicado na revista científica "PLoS One", apontou que os cérebros dos esquizofrênicos e o dos
criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina. Produzida em várias partes do cérebro, a dopamina tem funções na transmissão do impulso elétrico entre as células nervosas, notadamente na cognição, motivação e nos mecanismos de punição e recompensa.

"A teoria da dopamina e esquizofrenia vê o distúrbio como uma forma extrema de criatividade", diz Adam Galinsky, da Escola Kellogg de Administração da Universidade Northwestern, EUA. O pesquisador explica que a dopamina tende a alterar processos cognitivos, de modo que as associações são mais soltas e as categorias conceituais são ampliadas. "Isso pode facilitar a criatividade, mas também levar a padrões de pensamento desorganizados e anomalias de percepção."

Galinsky e colegas fizeram testes de associação com 94 voluntários que tinham que identificar uma quarta palavra vinculada a três outras. Alguns passavam por distrações, outros não. Os distraídos identificaram sequências de letras como palavras válidas mais rápido. O estudo foi publicado na revista "Psychological Science" e afirma que o processo de solução de problemas inclui tanto a distração quanto um período de pensamento consciente, sem o qual o problema não tem como ser racionalmente resolvido.

RADAR

Estudos feitos com universitários nos EUA e no Canadá pela equipe de Shelley H. Carson, do Departamento de Psicologia de Harvard, mostraram que aqueles que se distraem facilmente, com o "radar ligado" para tudo em torno, são mais criativos: os mais criativos tinham sete vezes menos inibição latente. O estudo original, publicado em 2003, foi replicado depois. "Dois outros laboratórios testaram a baixa inibição latente e descobriam que está associada com criatividade. Nós também estamos continuando os testes", afirma Carson.

"Há um corpo substancial de pesquisa que indica que a esquizofrenia está associada com inibição latente baixa e também com deficits na memória de trabalho", continua o pesquisador. Para Carson, comentando o estudo de Galinsky, a pessoa criativa é capaz de permitir, temporariamente, que o excesso de distrações seja canalizado em percepção consciente, para fazer conexões entre os estímulos. "Mas a pessoa tem a capacidade de alternar entre estados do cérebro para exercitar maior controle cognitivo e realmente formular e acessar essas conexões", afirma o pesquisador.

Fonte: Ricardo Bonalume Neto/ Folha de S.Paulo

Foto: Wallis Dress to Kill/ Divulgação