Rodado sob as leis da improvisação do jazz, sem argumento nem protagonistas claros e com um orçamento mínimo, "Shadows", o primeiro filme de John Cassavetes, completa 50 anos hoje, como fundador do cinema independente americano. Em 1959 ainda não havia nem o Festival Sundance nem o Independent Spirit Awards (prêmio pelo espírito independente, em tradução livre).
Na França, emergia a nouvelle vague como revolução da linguagem cinematográfica, mas nos Estados Unidos o ator e diretor Cassavetes inaugurava, com mais modéstia, mas com igual poder de ruptura, a fonte do cinema da qual beberiam cineastas como Jim Jarmusch ou Alexander Payne. "Quando comecei a fazer filmes, queria fazer cinema como Frank Capra. Mas nunca fui capaz de fazer outra coisa que não fossem estas obras loucas e árduas. No final, uma pessoa é o que é", reconhecia, irônico.
Cassavetes não pretendia fazer um manifesto ideológico, nem havia publicações que sustentassem suas ideias, muito menos pretensões de criar uma escola. Era ele mesmo: um ator e cineasta que comporia sozinho um raro setor criativo na história do cinema, com títulos como "Uma Mulher Sob Influência" ou "Glória".
"Cassavetes construiu, contra tudo e contra todos, uma obra ferozmente pessoal e totalmente distinta do que era feito no cinema americano e, inclusive, no mundial", resumem Bertrand Tavernier e Jean-Pierre Coursodon no livro "50 anos de Cinema Americano". "Shadows" foi sua estreia como diretor. O filme foi gravado com uma câmera de filme 16 milímetros nas mãos, em uma Nova York noturna e com um orçamento de apenas US$ 40 mil.
O longa fundia o cinema com uma jam session, criando um conjunto fresco e vibrante que foi premiado no Festival de Veneza com o prêmio da crítica. "Um dos traços originais e muito pessoais de 'Shadows' é sua obstinada recusa a enunciar a temática. Nunca se poderá dizer sobre o que é um filme de Cassavetes, somente que é sobre personagens. Poderemos ver relações entre brancos e negros, mas nunca se enuncia o problema racial", dizem Tarvernier e Coursodon em seu livro.
Levando em conta que nesse ano "Ben-Hur" ganhou 11 Oscars, "Shadows" foi um exemplo de ousadia. "Como artista, busco coisas diferentes. Mas, sobretudo, nós artistas temos que nos atrever a fracassar", era seu lema de trabalho. Cassavetes queria "superar o simples efeito de realidade para alcançar, por assim dizer, a própria realidade. E justamente porque se aproximou de forma absolutamente convincente a esta ambição, ao mesmo tempo simples e grandiosa, é frequentemente considerado, ainda hoje, um improvisador", afirmam os cineastas franceses em seu livro.
É por isso que "o diálogo em 'Shadows' é tão 'cassavetiano' e mostra um incongruente senso de humor tão semelhante ao que aparece em todos os seus demais filmes", segundo Tavernier e Courduson. Cinquenta anos depois de "Shadows", o cinema independente americano vive uma crise de identidade. Nos anos 90, com o auge do Festival Sundance, os filmes "indie" chegaram ao Oscar e se transformaram em negócio para os grandes estúdios, que abriram suas filiais para o público minoritário.
Os irmãos Coen, Todd Solondz, Gus Van Sant ou Tom DiCillo marcaram essa geração, que foi incorporando-se à indústria ou repetindo mensagens já não tão revolucionárias. E assim, o lema "no risk, no award" (sem risco, sem prêmio, em tradução livre) dos Independent Spirit Awards foi se tornando ultrapassado e surgiram produtos independentes com um tom comercial como "Juno". Assim, "Shadows" volta a impressionar nos dias de hoje, principalmente por sua independência.
Fonte: Mateo Sancho Cardiel/EFE