sábado, 7 de novembro de 2009

Cientistas e deputado criticam proposta sobre poder de polícia às Forças Armadas

A ideia de que as Forças Armadas também tenham atribuições policiais, conforme previsto no projeto de lei que altera a Lei Complementar 97, tem resistência entre setores ligados aos Direitos Humanos e entre cientistas sociais que pesquisam violência e segurança pública. A proposta encaminhada em 23 de setembro à Presidência da República pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e pelo secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, estabelece que Exército, Marinha e Aeronáutica poderão fazer ações de patrulhamento; revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e prisões em flagrante delito. Após receber o crivo da Casa Civil da Presidência da República, a proposta segue para o Congresso Nacional.

Para o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Pedro Wilson (PT-GO), a ação das Forças Armadas deve se restringir a cuidar da soberania nacional e, internamente, ao apoio estratégico e logístico das polícias civis, militares e à Polícia Federal. "Não devem atuar diretamente nas questões de segurança interna", disse.

Para o cientista político Jorge Zaverucha, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), por trás da mudança de atribuições das Forças Armadas esconde-se o propósito uma situação jurídica para que homens do Exército não venham a ser julgados fora da Justiça Militar, como ocorreu após operações da força em favelas do Rio de Janeiro há cerca de 15 anos.

"Estão dourando pílula. O motivo original é o Rio de Janeiro. O objetivo disso é fazer com que os efetivos das Forças Armadas não sejam julgados na Justiça comum", afirmou o cientista político. "Isso é algo perigoso porque o Exército não quer ser controlado pelo poder civil". A suspeita de Zaverucha é compartilhada com o antropólogo Roberto Kant, da UFF (Universidade Federal Fluminense). Ele disse que as Forças Armadas não existem para fazer segurança pública, mas para combater um eventual inimigo externo.

"As Forças Armadas têm competência para combater e matar o inimigo, não os transgressores da lei", afirmou Kant. "O trabalho da polícia é diferente, não implica na destruição do inimigo, mas uma mediação de conflito entre o cidadão e o transgressor. As Forças Armadas têm como padrão a morte". Para Kant, se os militares tiverem poder de polícia, isso pode aumentar as dificuldades do sistema de segurança pública e criminal em coordenar ações integradas.

"Esse sistema não é um sistema, mas um conjunto de segmentos autônomos entre si, independentes, e flacidamente, vinculados uns aos outros", disse, lembrando que no Brasil a polícia atua de forma autônoma e separada do Judiciário e do sistema penitenciário.

Defesa

O ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu ontem o poder de polícia às Forças Armadas e negou que o novo texto para a Lei Complementar 97 represente um desprestígio às polícias do país. "A mudança não altera em absoluto as funções da polícia, apenas preenche determinadas lacunas", disse o ministro, após reunião no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em São Paulo.

"Hoje, a Marinha ou a Aeronáutica não podem realizar um procedimento policial se apreendem um barco com drogas na fronteira, já que sua função é apenas de guarda de fronteira. Em uma situação como esta, a pessoa tem que ser presa pela autoridade, seja ela qual for. É uma necessidade de proteção do nosso território", disse Tarso.

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, por sua vez, disse ontem que a transferência de recursos do governo federal para os Estados é insuficiente para resolver problemas na segurança pública. Ele voltou a criticar a falta de integração na política de segurança do país, e defendeu maior participação das Forças Armadas em ações na fronteira.

"Há certa falta de integração, e nós dispomos de recursos. Não basta portanto anunciar apenas ajuda tópica da União para um dado Estado que tem dificuldades, é preciso que haja uma articulação", afirmou, ao participar do encerramento do 4º mutirão carcerário do Rio de Janeiro, no instituto penal Plácido de Sá Carvalho, no complexo penitenciário de Bangu, zona oeste da cidade.

Jobim destacou que a Marinha e a Aeronáutica estão preparadas para atuar como polícia nas regiões de fronteira, e que isso aconteceria na ausência de policiais. "Se por acaso não tiver nenhum policial civil ou federal, Aeronáutica e Marinha poderão fazer o flagrante", afirmou Jobim ontem, no Rio de Janeiro.

Fonte: Agência Brasil e Folha Online