terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Patrulheiros sem retórica




Debatendo cá com meus humildes botões, chego à conclusão que as "patrulhas do politicamente correto" (com minúsculas mesmo) que tanto polemizam pra lá e pra cá, em cima de tudo e todos, nos dias de hoje, chiariam horrores com os humoristas de verdade. Vamo raciocinar: aqueles quadros e personagens clássicos do Chico Anysio, Jô Soares e Os Trapalhões, especialmente na década de 1980, seriam agora mais que criticados, processados e, quem sabe, teria até passeata nas ruas pra que fossem tirados do ar. 

Vejamos: o Haroldo, o Hetero, levaria processo por homofobia, a mesma coisa o Painho, que também seria acionado judicialmente por homofobia e danos morais, já que, supostamente, satiriza o jeito de ser - digamos assim - meio "lento" do baiano (olha lá o cuidado que tô tomando com as expressões). 

O Tim Tones seria logo apontado como ofensa aos pastores evangélicos; o Justo Veríssimo viraria alvo de muitos políticos, que certamente iriam se identificar com o personagem e não aceitariam ser, também supostamente, ridicularizados. E o que dizer, então, do Nazareno, que vivia chamando a esposa de "extração de dente sem anestesia" pra baixo, e do Setembrino, o "Último Comunista"?

O Jô Soares também aprontava das suas. Se hoje em dia ele gravasse quadros do Capitão Gay levaria milhares de processo por homofobia e também iria se indispor com alguns militares, pois a patente do personagem é a de capitão. E Os Trapalhões então? O Didi vivia chamando o Mussum (cujo nome artístico também já seria considerado pejorativo) de "grande pássaro" e "reco-reco", sendo que o "Muça" respondia com "paraíba" e "trofeuzinho de corrida de jegue".

Eram programas que faziam rir, refletir e questionavam muitas coisas erradas da sociedade brasileira. E hoje tenho certeza que seriam alvo dos "politicamente corretos", para quem o direito de avaliar e criticar, de todos, deixou de ser real e se tornou um palco para, nem sempre, produtivos debates. 

Câmbio, desligo

Sérgio Augusto
Editor da www.academiadapalavra.blogspot.com

Ilustração: G1

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Sete dias....



Hoje, 28/10/2013, faz sete dias que o "Seu Sérgio", meu velho, deixou essa vida física e foi bater bola com os craques da eternidade. Foi tudo tão rápido e doloroso que só agora consigo falar a respeito. Bem ao estilo da vida: passa rápido, quase num piscar de olhos, e quando acaba vem a conta. 

Quando lembro do "Seu Sérgio", tenho a imagem de uma criança. A ingenuidade. Aquele tipo de pessoa que acreditava em tudo o que eu dizia. "Olha, não é verdade não, viu? É 'sacanagi' minha". Era assim que eu desfazia o ar de preocupação que ele já expressava quando eu me excedia nas brincadeiras.

Comecei o texto aí em cima dizendo que ele foi bater bola com os craques da eternidade porque ele era doido por futebol. Quase foi jogador profissional. Jogou até o sub-20 no futebol e futsal da Tuna Luso Brasileira, lá onde eu também estive nas mesmas categorias. Me ensinou o amor pelos esportes e que a simplicidade é o mais importante. Era muito ingênuo, de vez em quando se irritava fácil, mas logo passava e já tava falando alto, gesticulando, fazendo barulho. 

Foram só 60 anos de vida, com seus altos e baixos, mas acima de tudo com muito humor. Quis muito que eu seguisse carreira militar, mas não deu. Enveredei pelas letras e notícias e, nisso, mostrei a ele que minhas armas, com a munição da informação, também são poderosas e capazes de mudar muita coisa e para melhor. 

Meu pai teve, sim, erros e falhas durante a vida. Mas um único ato dele, no final da vida, me fez relevar essas pequenas fraquezas humanas. Estive com ele poucas horas antes de ele partir. O estado já era gravíssimo e só um milagre mudaria tudo. Ele deitado, já sem forças, me chamou de lado e disse, com a voz bem fraca: "Eu vou entrar na CTI agora e depois eu vou pra casa. Vai pra lá e me espera com a tua mãe". Ele falou isso e me olhou com tanta certeza e convicção que eu acreditei que ele pularia essa fogueira. 

Muitos se acovardam diante de coisas tão pequenas, e ele, naquele momento decisivo, não se intimidou. Se o organismo dele ainda tivesse forças, tenho certeza que se safaria. Ele foi MACHO ATÉ O FIM, encarou a morte de frente, de peito aberto, e venceu. Não se entregou. Até o último momento acreditou que ia sair daquela. Eu também: até o momento em que recebi a notícia fatal, eu acreditei que ele ia se safar.

São atitudes assim que fazem uma vida inteira valer a pena. E valeu e muito. Isso me enche de orgulho do "velho" e é uma lição que vou levar pra todo o sempre: jamais recuar nem me acovardar. Por mais difícil que seja a situação, ela tem solução. Isso eu não vou esquecer nunca.

E sabe duma coisa? Ele não partiu coisa nenhuma. Tá tão presente, especialmente no bairro do Reduto, que ele tanto amava e me ensinou a amar, que a qualquer momento vai virar uma daquelas esquinas, a bordo de seus indefectíveis bermudões e chinelões, sem camisa, bem ao estilo de nossos antepassados lusitanos, me enxergar, acenar e soltar aquela saudação entusiástica: "Alowwwwww". É isso: em memória do "Seu Sérgio", o show não pode nem vai parar.

 ATÉ BREVE, PAI!

 P.S: "SEU SÉRGIO" NÃO FOI MEU PAI. NA VERDADE FOI MEU IRMÃO MAIS NOVO. :)

Sérgio Augusto
Editor da www.academiadapalavra.blogspot.com 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Miles Davis: um astro difícil até mesmo para ser contado em película



Reproduzir com um mínimo de verossimilhança as notas inventadas por Miles Davis (1926-1991) é hoje o menor desafio de Don Cheadle em seu empenho para levar às telas, como diretor, um filme sobre o monstro sagrado do jazz. O que falta ao ator americano de 48 anos é dinheiro para filmar a história. Cheadle evita falar em valores. Mas estima-se, na imprensa americana, que ele precise de US$ 20 milhões para reconstituir os EUA de 1979 em um drama musical sobre um período de entressafra de Miles. Para cumprir o cronograma e estrear em 2014, Cheadle está à caça de recursos.

"Apesar da força do nome Miles Davis, ninguém quer financiar um projeto que foge do óbvio. Meu interesse não é fazer uma cinebiografia, e sim uma ficção com cara de filme de gângster sobre um período de sua vida envolto em mistério", conta Cheadle, em cartaz no Brasil em “Homem de Ferro 3”, como o coronel James Rhodes, amigo de Tony Stark (Robert Downey Jr.).

O papel é apenas uma das frentes milionárias com as quais o ator se envolveu na última década. Fora ter participado da trilogia “Onze homens e um segredo”, de Steven Soderbergh, ele brilha na TV como protagonista da série “House of lies” (exibida aqui pela HBO), que lhe rendeu um Globo de Ouro este ano. De quebra, traz no currículo uma indicação ao Oscar por seu desempenho em “Hotel Ruanda” (2006) e a reputação de ser um dos melhores intérpretes da sua geração.

"O importante de estar em franquias e seriados que fazem sucesso no exterior é que, hoje, o peso mais determinante no futuro de um projeto cinematográfico americano é sua capacidade de ser comercializado em países estrangeiros. Se você fica conhecido fora e atrai o interesse dos distribuidores internacionais, seus projetos ganham novos meios de serem viabilizados", diz Cheadle.

No filme, sem título por enquanto, o músico, com 53 anos, decide se afastar dos palcos após o sucesso do LP “Bitches brew” (1970). Esboçada por Cheadle com base em fatos, a história se passa em 1979, mostrado como o fim de um período sabático na vida profissional de Miles, ainda à sombra da cocaína.
"Quero contar uma aventura que se passe em poucos dias, tirando Miles da condição de mito e trazendo sua figura para uma trama de reviravoltas. Em 1997, quando fiz “Politicamente incorreto”, dirigido pelo Warren Beatty, ele ficava falando que eu tinha olhar talhado para a direção e aquilo me estimulou. Como tenho uma ligação forte com a música, compondo e tocando sax, vi que era o momento", diz o ator, que também irá protagonizar o longa-metragem.

Há cinco anos, Cheadle embarcou em um projeto nunca realizado com o carioca José Padilha. O realizador de “Tropa de elite” foi cotado para dirigir o ator em uma adaptação do livro “Marching powder: a true story of friendship, cocaine and South America’s strangest jail”, relato autobiográfico do inglês Thomas McFadden, preso na Bolívia por tráfico e enviado para uma prisão onde imperava a corrupção.

"Não tivemos meios para rodar esse projeto, mas nunca perdemos o interesse nele. José é muito talentoso. Ainda quero fazer esse filme com ele", diz Cheadle.



Fonte: Rodrigo Fonseca

Agência Globo/Rio de Janeiro/RJ
Foto: Divulgação

domingo, 10 de março de 2013

Fechem as cortinas. O palhaço da boina vermelha se foi

Hugo Chavez e o famoso gesto do punho cerrado (Divulgação)
Nada mais engraçado, para não dizer primitivo, do que um caudilho como Hugo Chavez ser cultuado, mitificado, endeusado, após levar um país, já historicamente atrasado, como a Venezuela, ao lençol freático do atraso, ignorância e miséria. Uma comoção enorme para um câncer que ajudou a corroer o já apodrecido tecido de uma nação subdesenvolvida, em nome de um discurso falso, ilusório e "pela liberdade".

Que liberdade? Essa onde só o canal estatal de televisão é permitido? Antigamente o nome disso era ditadura. Mas quem é o Brasil pra falar em ditadura? Chavez chegou ao poder após uma porção de tentativas de golpes de estado. Era, é certo, um valente tenente-coronel do Exército daquele país. Tomou o poder na base do tiro e depois me veio com um discurso de "socialismo" (com minúscula mesmo, pois proibir a imprensa livre é tudo, menos o que se entende por Socialismo).

Angariou mais meia dúzia de aliados, como o argentino Diego Maradona, outro sujeito meio confuso das ideias, que fala em "socialismo" e diz detestar os Estados Unidos, mesmo tendo mansões cinematográficas em Miami e Buenos Aires. Chavez dominou a Venezuela não com mãos de ferro, mas com a voz de um animal ferido, perdido entre os delírios de ser a reencarnação de Simão Bolívar ou o messias terceiromundista moderno. Tudo perda de tempo. 

Ponham nesse molho mais alguns meses e ele se tornará um ícone capitalista. Duvidam? Ernesto Che Guevara morreu acreditando que Cuba seria a nação do futuro. Hoje o compatriota de Maradona é um superstar do capitalismo; está em todas as estampas, comerciais, desfiles de moda e tudo o que o dinheiro é (in)capaz de comprar. Fazer o que? De tempos em tempos a mídia tem que matar, ainda em vida, uma celebridade para ter o que dizer. (E, pasmem, diz mesmo, desde que entretenha o distinto público por 15 minutos. E olhe lá).

Mas sabe o que eu mais gostava no quase-humorista Hugo Chavez? Quando ele bancava o revoltoso e falava mal dos Estados Unidos. Em certa conferência da ONU, ele soltou a pérola: "Esta cadeira onde estou agora deveria ser desinfetada. Ontem, esteve aqui sentado o demônio e o cheiro é de enxofre". O tal capeta era o então presidente norte-americano Georde W. Bush. O caudilho sul-americano esculhambou o caudilho "yankee" em público, enquanto nos bastidores certamente morreram de rir daquela palhaçada sem palhaços profissionais.

O cara falava tão mal dos "Iuessei" e, no entanto, a Venezuela, até hoje, tem nos americanos grandes clientes e parceiros comerciais. E quando ele envergava aquela boina vermelha e levantava o punho, como um sessentista "Pantera Negra" do "demônio-parceiro"? Ali estava a melhor das traduções para o que os intelectualóides de ontem e, claro, de hoje, classificam por "líder de massas".Um pequeno tirano a soldo de dólares hollywoodianos (a meca do cinema mundial, onde tudo não passa de um sonolento take de cinema).
E o Brasil? Por que o Brasil não tem peito para criticar a Venezuela? Simples: aqui a ditadura tá disfarçada de tudo quanto é nome. No Brasil, chegou-se a um ponto em que um humorista de 30ª categoria como Hugo Chavez iria passar fome. E sabem por que? É proibidor criticar.

O comediante e ator Bruno Mazzeo, aquele sujeito boa praça e até certo ponto engraçado, filho do grande Chico Anysio, tinha um programa irreverente no canal Multishow, o "Cilada". Ali ele mostrava, com fina ironia, situações do cotidiano que se passa nas grandes cidades do Brasil. Poir o cara teve que suspender o programa ou diminuir as observações ferinas que fazia, pois tava levando processos de tudo quanto é lado.

Dá pra acreditar que se ele fizesse um "Cilada" dramatizando o que acontece num voo na ponte aérea Rio-São Paulo, por exemplo, no dia seguinte o sindicato das aeromoças, dos aeroportuários e até dos mecânicos já o estava processando por, supostamente, "ofender os profissionais"?

No Brasil, hoje se vive um "politicamente correto" irritante. Tudo é motivo para processos, reclamações e protestos. Por que processam um humorista enquanto a corrupção tá aí correndo solta entre boa parte de políticos, industriais e em todas as esferas de poder?

Vive-se um momento em que não se pode fazer a menor observação, senão logo aparecem os beócios do anti-racismo, anti-homofobia, anti-terceiro mundo, anti-religião, anti-preconceito e anti-tudo-menos-corrupção. (Boa essa: anti-corrupção não existe. Corrupção é tão normal e familiar que nem é considerada crime. No Brasil, é o que mais faz o povo rir).

E o que fazer agora, que mais um caudilho-piadista se foi? Vamos chorar as lágrimas de um crocodilo abandonado? Nunca. Sejamos fortes. Vamos esperar, que a qualquer momento um novo "mito" aparece. Foi assim com Fidel Castro (já morto em vida), Alberto Fujimori, Getúlio Vargas, Adolf Hitler, Id A Mim Dada, Osama Bin Laden, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi e todos os outros ditadores que animam esse circo dos horrores chamado Planeta Terra.  

Câmbio, desligo!

Sérgio Augusto

Editor da www.academiadapalavra.blogspot.com

domingo, 4 de novembro de 2012

Essa brincadeira um dia já se chamou "Marketing Político"


Passado o período eleitoral, prefeitos e vereadores eleitos, prontos pra assumirem seu cargos, chegam ao fim as ilusões e as campanhas de marketing amadoras. Agora sim, é possível analisar o teatro de péssimos atores em que está inserida a estratégida de campanha política no Brasil. Falo em Brasil porque, do Norte alo Sul, é tudo a mesma coisa. Tudo quanto é candidato é perfeito, teve infância difícil e, por saber o que é pobreza, vai mudar a miséria em que se vive e se morre. Pra começar, todos, sem exceção, me vieram com uma conversa furada de "crise mundial que afeta a economia brasileira". Que crise, mermão?

No Brasil a gente nasce, cresce e morre na crise e o que o resto do mundo assiste, agora, é menos que 10% do que a gente sente no Brasil desde sempre. Falam que a Europa tá quebrada. Mas quebrada em que sentido? Pelo fato do cara não poder ser consumista ao extremo? É isso a crise? Pois coloca uma cidade como Antuérpia ou Estocolmo no padrão Brasil de bagunça, com trânsito caótico, violência descontrolada, saúde e educação falidas, corrupção institucionalizada e legitimizada por lei e farsa de julgamento de "mensalão", que num lugar como a Dinamarca já teria dado em presídio até pro presidente da República. (mas deixa pra lá; o Brasil nasceu como ponto de desembarque de ladrões, estupradores, assassinos e o resto da escória que vinha da Europa. Que futuro um lugar desse pode ter? Vamos logo ao que interessa)

Assisti meia dúzia de programas eleitorais e ainda não acredito que torraram milhões de reais naquilo. Uma porcaria maior que a outra, em tudo quanto é estado. E pra quê? Pra eleger os mesmos candidatos que há séculos (ou seriam dinastias?), tão aí rapinando os cofres públicos. Não teve uma mísera campanha política com algo inovador. Ainda hoje, 52 anos após o pleito que elegeu John Kennedy presidente do Estados Unidos, o marketing político no Brasil ainda não chegou perto do que o velho Joe Kennedy, patriarca do clã, concebeu na arena do poder. E, diga-se, a estratégia dele já era por demais simplória.

John Kennedy nem sequer pensava em ser político. Só entrou em combate porque o irmão mais velho - Joseph Kennedy Jr. - morreu quando seu avião foi abatido na Segunda Guerra Mundial. Sequer sabia discursar e não sabia o que significava "composição política". Queria mesmo era ser professor de História e Direito em Harvard (EUA) e continuar levando sua vida de "bon vivant", no que era acompanhado pro Frank Sinatra, Sammy Davis Jr., Dean Martin, Peter Lawford e outros do famoso "Hat Pack" (ele deu provas de que esse papel ele teria desempenhado bem melhor)...

Pois lá pelas tantas, Joe pagou diretores de cinema para ensinarem John a se portar diante dos holofotes e olhar direto para as câmeras, como se estivesse falando individualmente para cada telespectador. Kennedy era jovem, bem apessoado, e, bem doutrinado, dizendo exatamente aquilo que os norte-americanos queriam ouvir, quando queriam ouvir, bateu Richard Nixon, que, barbado, suando muito e sem familiaridade com o circo dos debates de TV, ficou com a fama de ser o velho e batido "establishment". (Ambos eram essa palavra aí, mas Kennedy era a marionete bem embalada comandada pelo pai).

Quer mais? Pois anos antes, na campanha de Jack (John) para senador, Joe pagou um porteiro, com nome homônimo ao do adversário do filho nas urnas, para que ele se candidatasse e confundisse o eleitorado. Muitos acabaram votando no porteiro e o adversário de Jack apanhou feio. Sujeira do velho Kennedy? Eu diria falta de ética. Mas comparando com o que muitos candidatos a prefeito e vereador fizeram recentemente, parece brincadeira de secundaristas na hora do recreio.

E o golpe de mestre? Joe Kennedy já tinha péssima fama e preferiu, durante a campanha do filho, ficar na sombra. Anos antes, diante dos protestos de muitos "cidadãos respeitáveis", um personagem influente que o escolheu para um cargo de grande importância, na área econômica nos EUA, lascou: "Nada melhor que um ladrão para pegar ladrões". Pois assim que Jack acordou eleito presidente norte-americano, Joe declarou: "Agora posso aparecer ao seu lado nas fotos oficiais". Realização de um sonho. Desde muito cedo, Joe queria ser o presidente dos EUA, mas seu passado de pouca ética inviabilizou o desejo.

Não esqueçamos: faz mais de meio século que Joe Kennedy arquitetou uma campanha política banal até para aquele tempo. Aí bate aquela dúvida: se o marketing político no Brasil está décadas atrás do que o patriarca Kennedy fez há mais de meio século, onde então os marqueteiros tupiniquins se inpiram para bolar essas milionárias peças "geniais", que mostram os atores figurantes que são nossos políticos? (Resposta: SÓ PRENDENDO!)

Câmbio, desligo!     
Sérgio Augusto - Editor da www.academiadapalavra.blogspot.com

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O quase rei e o herdeiro da coroa jamais destronada




Heleno de Freitas nasceu e morreu para o futebol e a vida enquanto Pelé nascia e se perpetuava para o mundo. Até aí nada demais, não fossem as tantas coincidências que se encarregam de emparelhar o trágico ao glorioso, a loucura à perspicácia, o fechar das cortinas à lenda viva. Tudo isso pude comprovar dia desses após assistir “Heleno, o príncipe maldito”, e dar o apito final na leitura da biografia com que tentaram homenagear o lendário atacante do Botafogo de Futebol e Regatas. Batendo datas, jogos memoráveis e também lances irrelevantes, cheguei à conclusão que Heleno e Pelé são os dois lados de uma mesma bola, por muitos conhecida como “a vida é um jogo sem replay, nem prorrogação”.

Heleno despontou nos profissionais do Botafogo carioca em 1940, ano em que Edson Arantes do Nascimento nasceu. Aprontou umas e outras, bateu nos adversários (e até nos próprios companheiros), pilotou os carros mais luxuosos da época, conquistou as mulheres mais belas e, apesar de tudo isso, foi campeão uma única vez: carioca, em 1949, mas vestindo a camisa do Vasco da Gama. Nasce o primeiro mito: o melhor jogador do Brasil e das Américas foi quatro vezes vice-campeão pelo time que tanto amava e a quem dedicava o sangue, e venceu um torneio pela equipe que gostava de judiar.

Inaugurado o Maracanã em 1950, Copa do Mundo no Brasil, nada mais natural que Heleno, estrela do Sulamericano em Santiago, no Chile, cinco anos antes, comandasse o temido ataque brasileiro, formado ainda por Ademir de Menezes, Zizinho e Jair Rosa Pinto, certo? “Nunca”. Uma única, solitária, rasteira e definitiva palavra, do treinador da Seleção, Flávio Costa, para quem havia o jogador apontado um revólver meses antes da convocação definitiva, tirou o atacante do Mundial. Morre o segundo mito: Costa havia dito que sem Heleno o Brasil levava o caneco.

E não é que o Brasil conseguiu perdeu de virada, dentro do "Maraca" lotado, para um Uruguai que só tinha uma jogada: lançamento de Obdulio Varela, entrada de Giggia como uma flecha pela ponta-direita, chutaço no canto esquerdo do arqueiro brasileiro Barbosa? Uruguai campeão, nem o próprio capitão Obdulio acreditava. Só se deu conta da parada no dia seguinte, quando se reconheceu na capa de um jornal carioca, após uma noitada impublicável num cassino de má fama. Não tem jeito; boemia rima com bola em qualquer época...



Mas o show, ou a vida, ou, ainda, o princípio da morte, forneceu mais uns capítulos para o centroavante Heleno: desabou física e mentalmente, foi internado num sanatório já com sífilis avançada, morreu esquecido, pobre, pior que um farrapo. Quando faleceu, Heleno sequer sabia que o Brasil havia sido campeão do mundo, na Suécia, em 1958. E pelos pés daquele que herdaria a coroa que o botafoguense, por pouco, não ostentou na cabeça: Pelé.

Também mineiro, o pequeno Edson não teve berço de ouro nem estudou nas melhores escolas. Se conheceu Heleno, foi pelas transmissões dos jogos via rádio. Soube desde cedo que vida de boleiro é curta nos gramados. Tratou de aproveitar todas as chances, se consagrou, parou e jogar e continua uma grande estrela; arrasta multidões e admiradores por onde passa e sua palavra tem influência dentro e fora de campo, quase quatro décadas após pendurar as chuteiras.

Fora o fato de que defenderam grandes clubes brasileiros e de que ambos vestiram uniformes alvinegros (Pelé jogou 90% de sua carreira com a camisa do Santos Futebol Clube), até no registro da trajetória dos craques há as faces da derrota e da glória. Mesmo sendo o jogador mais fotografado de sua época, Heleno não aparece em mais que centenas de fotos e só agora, mais de 50 anos após sua morte, um livro e um filme contam suas desventuras.

O livro é por demais insosso, ofusca lances primordiais de grandes partidas e parece ter sido escrito por um professor de física quântica que jamais parou para assistir um 11 contra 11. Tenho a impressão é que o camarada até hoje está na dúvida se a bola de futebol é redonda, quadrada ou, quem sabe, oca. Em certas passagens, vislumbro não a imagem de um boleiro, mas a sombra de um trágico cantor de tangos com meiões, chuteiras....e um copo de uísque.

Faltam alguns anos luz pro "biógrafo" chegar aos pés de um Ruy Castro que, mesmo hiperbólico, metafórico e passional, cometeu o grande "Estrela Solitária", um retrato comovente de outro mito botafoguense: Mané Garrincha. A escrita é morna, não tem paixão e livro sobre jogador de futebol, escrito por quem não gosta do "bola-no-pé", não é livro que se dê o respeito.

Quanto ao filme, bem que tentei nele enxergar algum link com a arte futebolística. Mas ali só encontrei o personagem do ator Rodrigo Santoro "calibrado" de éter e metido em noitadas ao invés de um craque de futebol, justamente o que deu fama a Heleno de Freitas. São poucas as cenas em que ele aparece com aquela postura de boleiro que come grama e enfia o queixo no bico da chuteira. Filmaram tudo em preto e branco e com partidas realizadas à noite, debaixo de chuva artificial, e em câmera lenta, para tentar tornar o retrato em algo poético. Fracassaram.

Cláudio Adão, um dos grandes centroavantes brasileiros de todos os tempos, treinou o ator para as cenas de futebol e diz que, quando começaram os trabalhos, Santoro estava tão perna-de-pau que parecia dar "canelada em tijolo". Tá certo, tem o lado promíscuo e anti-heróico do personagem, mas se a intenção era mostrar a glória e decadência de um jogador de futebol, o que não se vê no filme é justamente o "molho": futebol. Credibilidade, então, para se interpretar um goleador, é coisa de outro mundo. Gol contra! 

Por outro lado, Pelé é personagem de milhões de reportagens, documentários, teses de mestrado e doutorado e o filme de sua vida ainda está acontecendo, ao vivo e a cores, diariamente, nas telas da globalização. O cara caminha pros 72 anos de idade, e faz parte do comitê organizador da Copa de 2014. Qual a receita desse sucesso inacabável? “Juízo”, diriam alguns; “sorte”, alegariam outros.

Apesar de todas as ressalvas, no placar eletrônico da mitologia do futebol, contudo, ainda acredito, sinceramente, que não há perdedores quando se fala em Heleno e Pelé. Um quase foi rei, o outro é discípulo de um quase rei jamais destronado...

Sérgio Augusto
Editor da  www.academiadapalavra.blogspot.com 
Fotos Divulgação 

terça-feira, 24 de abril de 2012

Cine Olympia: 100 anos de emoção e magia na telona



É hoje que o Cine Olympia, aqui em Belém do Pará, completa 100 anos. É considerado por muitos como a sala de projeção mais antiga, ainda em atividade, na América Latina, e um dos mais antigos do mundo. É da era do "cinema de rua", quando os cinemas eram projetados e construídos para se assistir filmes. Hoje a maioria das salas de projeção está dentro dos shopping centers.

Bom, mas aproveito o dia pra postar uma matéria que escrevi alguns anos atrás para o projeto Orgulho do Pará, do DIÁRIO DO PARÁ, e que me ajudou a compreender a dimensão desse monumento da cultura paraense, amazônida e brasileira. É minha homenagem, junto com um clip e uma canção que resumem boa parte da Sétima Arte. Parabéns Cine Olympia.




 
Sérgio Augusto

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Acerto de contas com o passado da nostalgia

Logo no primeiro Woody Allen que assisti notei que ali patinava, entre a realidade e o sonho, um cineasta perdido na nostalgia e, ao mesmo tempo, um humorista que fugia do rótulo de discípulo de Harold Loyd. O segundo Allen me deu uma certeza: o cara queria mesmo era permitir um olhar diferente sobre as coisas que não fez e, voltando a um passado talvez fictício, acertar as contas com os acidentes da vida.

"A Rosa Púrpura do Cairo" foi o primeiro e "A Era do Rádio" o segundo momento em que encontrei algumas respostas satíricas para o humor de um certo judeu novaorquino que parecia incapaz de viver longe de Manhatan e da Bigapple, mas que já batendo nos 80 anos, parece ainda perdido em seu mundo pós-contemporâneo.

Pelo menos é essa minha percepção após assistir um dos mais recentes filmes do cara: "Meia-noite em Paris". De novo a viagem ao passado, o artista incompreendido, o consumismo político-conservador, as estátuas de mármore em que se erguem os velhos chavões cinematográficos e o final feliz. É essa mesmo o sequência. Já tava tudo em "A Rosa Púrpura..." quando a personagem de Mia Farrow foge da realidade diante das telonas e lá um dia o herói salta da tela pra mudar a vida dela. Aqui Jeff Daniels bem que tentou fugir da canastrice mas, pro bem da personagem que ele intrepretava, foi melhor mesmo aliviar pra linha lateral e de bico, senão perdia a bola e ia pro banco de reservas mais cedo.

Mas voltando à "Cidade Luz", a Paris de Allen é descrita em imagens que parecem um documentário em película. Nada contra a paisagem e seus cartões postais sem metafísica (que aqui não é bastante e pensa, e muito), mas aqueles ângulos já foram explorados à exaustão e isso desde que Chabrol, Truffaut e Godard ainda escreviam pra Cahiers du Cinéma e sonhavam o que seria o Nouvelle Vague e seus retumbantes dramas cauterizados do pós-guerra europeu. (Tá, pula essa sequência e vamos logo pro que interessa).

O que conta aqui é a volta ao passado, já que o presente é dominado pela tal da globalização, o politicamente correto e o "mais do mesmo" quase sempre mais do não mesmo. Lá pelas tantas o protagonista cansa da vidinha de roteirista rico e famoso que leva em Hollywood, com a noiva fútil e sua família conservadora, e decide ir pra Paris atrás do sonho de ser um escritor cuja vida se confunda com a arte, tal qual fizeram Ernest Hemingway, Scott e Zelda Fitzgerald, Gertrude Stein e mais uma dúzia de artistas contemporâneos dessa trupe, incluindo Salvador Dalí, Pablo Picasso e Luis Buñuel.

Numa noite de tédio, o cara vai parar numa esquina parisiense, dá meia-noite, ele entra numa carruagem e faz uma espécie de volta no tempo não vivido (tá aqui Woody Allen e seu sonho jamais realizado). Ele vai bater na Paris da década de 1920 e lá encontra e convive com os nomes citados lá em cima. Até aí, é só Allen se debatendo pra realizar seu projeto mais ambicioso desde "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa".

Mas peraí, parô, parô. Até aqui só esculhambei geral, mas a parada tem suas virtudes. Aliás, tem uma virtude apenas: uma crítica mordaz à não valorização do presente. Já notou como o cara aos 50, 60 anos sempre diz que "há 40 anos tudo era melhor"? Pois o avô dele, 40 anos antes, também dizia: "há 50 anos tudo era melhor" e daqui há 60 anos vai ter neguinho dizendo: "em 2012 o mundo era outro". Quem tem razão? Talvez o talvez!

Digo isso porque o protagonista do filme convive com toda essa turma de mitos e se deslumbra por isso, mas quem viveu a década de 1920, em Paris, topava com Picassos, Dalís e Buñuels, pelas esquinas, trocava insultos e sopapos com Hemingway nos botecos esfumaçados, discutia literatura e política com Zelda e Scott Fitzgerald, nos elegantes cafés, e achava tudo muito natural. Como hoje a gente só encontra essa trupe nos livros, documentários, museus, galerias de arte e páginas na internet, os mitos se multiplicam e tem quem ainda pergunte: "esses caras existiram ou são também ficção de si mesmos?". Resposta: só Bill Gates sabe!

Ah, antes que eu me esqueça até o velho Bill vale umas palavras de respeito. Mas antes disso, lembro de outra personagem de "Meia-noite em Paris": é uma estudante de moda que se envolve com o protagonista e, só pra variar, vive na Paris dos anos 20 e acha aquilo um tédio. Numa viagem dentro da viagem, ela vai pra Paris de 1800 e dinossauro, se deslumbra com a Belle Époque e diz que quer ficar por ali mesmo, que se achou no tempo-espaço. Só que lá, ela e o protagonista encontram outros tipos também insatisfeitos com o presente e que dizem que o supra sumo da humanidade estaria na Renascença. (E agora, mermão? Insatisfação geral com o presente, o passado e o passado do passado? Que que eu faço?)

Se estamos em 2012 e tem quem ache que a década de 1920 seria a ideal, então é certeza absoluta que daqui há 100 anos vai ter gente dizendo: "puxa, como eu queria ter vivido em 1990, 1995, quando a internet tornou-se comercial e revolucionou as comunicações e relações humanas" ou "como seria bom ter sido contemporâneo de Bill Gates, o cara do Windows e da Microsoft, com Steve Jobs, o gênio da Apple, do Macintosh, de Orkut Büyükkökten e a rede social que criou e também de Mark Zuckerberg, garoto-prodígio que inventou o Facebook".

Sentiu a pressão, mermão? É isso aí: somos contemporâneos de uns caras que também mudaram e ainda ajudam a mudar, a cada dia, esse globo girante que a gente habita e não percebemos isso. Saber pelo noticiário que a fortuna de Bill Gates já se aproxima do trilhão de dólares ou que "A Rede Social" (que considero um filme estapafúrdio de tão fraco) ganhou o Oscar Hollywoodiano é tão descartável quanto deletar spams ou bloquear vírus que roubam senhas. É o que os sabichões tão poeticamente chamam de "descartabilidade". Mas, traduzindo em miúdos, até o Paulo Miklos já cantou a bola em um de seus discos: "Vou Ser Feliz e Já Volto". (Eu não queria, mas sou obrigado a dar o veredicto: SÓ PRENDENDO!)

Câmbio, desligo

Foto: Divulgação

Sérgio Augusto
Editor da Academia da Palavra

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Pelé teria sido o que sempre será


Entre o "teria sido" e o "para sempre haverá" vai uma boa distância. Digo isso depois que assisti (pela trilionésima vez) um festival de gols da seleção na Copa de 70, no México. Especialmente os gols que o Pelé não fez me chamaram a atenção. Cara, imagina o que teria sido do futebol se aquele "drible da vaca" que ele deu no Mazukiewicz, goleiro do Uruguai, tivesse acabado no fundo das redes? E a bomba lá do meio de campo, que fez o goleiro Viktor, da então Tchecoslováquia, voltar pra baliza feito uma barata tonta, torcendo como doido pra bola mudar de rumo? A mandinga (???) do agnóstico Viktor, infelizmente, deu certo.

E aquela cabeçada contra a Inglaterra, que fez o Gordon Banks voltar, não se sabe de que planeta, pra defender de fora pra dentro, e evitar o gol do Rei? Teriam sido, sem dúvidas, golaços históricos, mas justamente por não terem sido é que ficou o mito e os sonhos que metade do mundo já construiu sobre eles.

Mas deixemos de lado os entretantos e vamos correr nos finalmentes (Odorico Paraguaçú, segura tua onda aê, rapá!). O Pelé é um superstar, adorado por muitos, criticado por outros, mas jamais ignorado por todos. Dentro de campo foi, e ainda é o maior. Parou de jogar e virou um "jetsetter" e uma lenda viva, bem articulado e, de vez em quando polêmico. Mas o que seria da vida não fosse a polêmica pra bagunçar o coreto?

Falando em bagunçar geral, lembro de outro lance daquela Copa de 70, também contra o Uruguai. É quando o zagueiro pisa no Pelé, dentro da área, e o juiz finge que não vê. Na jogada seguinte, bola na linha lateral, quase na linha de fundo, e lá vem o cavalo uruguaio de novo, pra quebrar o 10. O Rei dá uma olhadela, tem a certeza que o juiz tá longe, arma o braço direito e, num golpe de mestre, arrebenta o maxilar do uruguaio com uma cotovelada linda, poética, arrasa-quarteirão. Sofisticado como ele só, ainda se embola com a vítima e rolam os dois pelo gramado. Pelé expulso? Claro que não. A besta do juiz ainda dá falta contra o Uruguai. KKKKK

E se o Pelé tivesse se intimidado? O uruguaio ia quebrar a perna dele e adeus futebol. Já pensaram? O Rei parar de jogar no auge da majestade por causa de um beque medíocre e violento? O mesmo se aplica às especulações e mitos que muito se cria em cima do "quase", do "poderia ser" e mesmo do "talvez". Há quem diga que o ser humano faz os mitos e deles se alimenta. Ô raça esquisita....

E que tal deixar de lado os entretantos do "haveria de ser" e chutar logo na direção do "tá valendo"? Nada melhor que matar a parada de uma vez e ainda ficar com o troco do "já foi", valeu? Nisso o próprio Pelé foi mestre. Naquele mesmo jogo contra Tchecoslováquia, ele desequilibou a partida com uma das maiores criações da metafísica universal. Não só da metafísica, eu diria até que da aerodinâmica.

Gerson pega a bola na intermediária do adversário, enxerga o Pelé dentro da área e faz o passe redondo, milimétrico. Como no futebol, assim como na vida, não há perfeição, o lançamento tem endereço certo, mas o 10 não tá sozinho; tá cercado de zagueiros tchecos e tem que deles se livrar o quanto antes.

A bola vem decaindo e o cara toma três decisões imprevisíveis, numa fração de segundos. Primeiro: o mais indicado seria cabecear; a bola vem pronta pro arremate e é só testar e correr pro abraço. Pois ele salta e mata a bola no peito. Nessa decisão tomada, o sistema defensivo tcheco desaba. Se fosse mesmo cabecear, como mandam as leis da física, daria tempo do adversário chegar junto e abafar a jogada pra escanteio.

Segundo passo: matada a bola no peito, é hora de dar um "chega pra lá" nos adversários que restaram na parada. De novo, a surpresa: assim que pousar no chão, os zagueiros tchecos vão correr em cima como que acordados de um letárgico "rigor mortis", que durou poucos segundos. Então Pelé deixa a bola quicar no chão.

Não perde o raciocínio, fera: quicou no chão a bola, observa como o último dos adversários, ainda na "cola" do mestre, se dá por vencido e deixa pra lá. Saca só como ele para e age, resignado, como quem diz: "seja o que Deus quiser". Mas a jogada ainda não foi liquidada. Falta o ending com chave de ouro e diamantes.

Falta o goleiro Viktor, que tá bem posicionado embaixo das traves. O Pelé com toda a certeza vai mandar a bomba de canhota. Eis que vem a terceira e última das supresas nesse golpe de mestre: o cara troca de perna e manda de direita, colocado, na veia, no ângulo, e metade do mundo deixa o queixo cair, para, e em seguida aplaude a obra de arte.

Uma jogada com todos os ingredientes do gênio, do craque, do "teria sido", que, em segundos, se torna o "está sendo" e "para sempre será". Mais que qualquer palavra ou frase de efeito, fico com esse lance do Pelé. Está aí a síntese e o acaso, o que parecia impossível e o resultado prático, o "nunca" transformado em "sempre" e que "para sempre" ficou.

Câmbio, desligo

Sérgio Augusto

Editor da Academia da Palavra

sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Zezinho" e a capacidade de rir de si mesmo


Jô Soares pode ser considerado tudo (egocêntrico, exibido, chato) pelos críticos de plantão, entretanto uma coisa não se pode ignorar: o artista é um dos poucos humoristas que nasceu com uma virtude rara entre os seres humanos: a capacidade de rir de si mesmos, a mesma usada por gênios como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Cantinflas, Federico Fellini, Orson Welles e Woody Allen, só pra citar alguns dos grandes dos últimos 100 anos, para dizerem o óbvio, quase sempre ululante: o homem é geneticamente alegre, até que se prove o contrário e o riso liberta. Essa é sensação que tenho cada vez que assisto as reprises, promovidas pelo Canal Viva, das peripécias do camarada na TV Globo nos anos de 1980, e, em especial, aquele que considero o melhor dentre seus mais de 200 personagens: o "Zezinho".

Sabe aquele cara bonachão, paulistão, com um bonezinho na cabeça, a latinha de cerveja na mão esquerda e o controle remoto na direita e que vivia ameaçando o "gôido" Jô com um "crique" (clique no controle remoto para desligar a TV) cada vez que o humorista se despedia ao final de cada programa? Aí o Jô (invariavelmente vestido com ternos dourados ou prateados) parava tudo e começava a discutir com aquele telespectador ranzinza e abusado, que vivia cobrando, esperneando e reclamando por um "stripitrise" que nunca acontecia.

Lembrou, né? Ali estava, ao mesmo tempo, uma homenagem à criança que na verdade o Jô nunca deixou de ser, uma resposta a todas as críticas que certamente ele ouvia por causa do programa "Viva o gordo" e, pra completar, uma autocrítica rasgada ao seu talento indiscutível, seja como ator, humorista, escritor, artista plástico, músico e tantas outras atividades a que o "gôido" até hoje se dedica.

Homenagem porque o próprio nome do personagem, "Zezinho", era como o pai o chamava na infância, já que o nome de batismo do Jô é José Eugênio Soares. Daí já começa a piada do cara consigo mesmo e com os próprios telespectadores. Quando tinha o humorístico na TV, Jô criou tipos impagáveis, como o "Décio" (aquele que agarrava a mulherada nos salões da alta sociedade e, quando o marido questionava, ele começava a contar as loucuras que já havia feito com a respeitável senhora ao som do "não se deprecie mulherrrrrrr"), o governador "Meu nome é trabalho" (sátira em cima do então governador carioca Moreira Franco) e o contra-regra piloto (aquele do "ihhhhh, falha nossa"). Mas o "Zezinho" era a despedida do programa e, quando ele aparecia, era a senha para a criançada desligar a TV e ir dormir.

Se ainda hoje, com um talk-show que copia descaradamente os similares norte-americanos, como o do David Letterman, Jô é alvo de críticas pesadas, imagine o que os "intelectuais" de época não falavam dele. Interessante é que o cara tinha mais quilometragem em leituras, filmes, musicais e debates artísticos do que metade de seus críticos juntos, mas nem por isso deixava de pagar o maior mico com um humor feito para agradar o brasileiro de qualquer idade e nível de escolaridade. Talvez essa capacidade de se comunicar com tantos ao mesmo tempo provocasse a ira dos "sabe-tudo", que parecem brotar como cogumelos após a chuva só pra testar a paciência dos caras verdadeiramente talentosos.

Cada vez que o "Zezinho" mandava um "Ô gôido, mas tu é muito sem graça rapá" e o Jô respondia: "Você é grosso mesmo" e o "Zezinho" treplicava: "E tu acha que tu é fino, sendo gôido desse jeito?", era como se o humorista mandasse recados cifrados aos fãs, aos não fãs e a si mesmo, exercitando, a um só tempo, a capacidade de diálogo fácil com todos os públicos. E mais: cada troca de farpas com o "Zezinho" era uma catarse, talvez um canal para acertar as contas com alguma aresta lá do subconsciente. Taí a manha do grande artista: rir de si mesmo pra remover rugas internas e, ao mesmo tempo, divertir o resto do mundo.

Mas o melhor mesmo era quando o Jô dizia: "Já sei, já sei. Quando você Zezinho reclama tanto e diz que o programa não presta é porque tá querendo o streap tease". Aí o personagem começava a saltar na poltrona, a modelo começava a tirar as luvas e, quando a coisa começava a esquentar, o Jô parava tudo por algum motivo fútil e deixava o seu alter ego no desespero, já às portas de um ataque, porque o "striptrise" mais uma vez não aconteceu.

Charlie Chaplin, por cerca de quatro décadas, entre os curtas-metragens do começo do século XX e o longa "O grande ditador", de 1939, usou e abusou da veia cômica, do exorcizar os traumas da infância e da capacidade de fazer rir e chorar a bordo do "Carlitos". Woody Allen é mais caústico e contemporâneo, sendo que nos últimos 40 anos repetiu o personagem cheio de neuras, ansioso, histérico, incompreendido, que se enche de calmantes e estimulantes em grandes filmes como "Manhattan", "Noivo neurótico, noiva nervosa" e "Zelig".

O "Carlitos", o "Zezinho" e o "Zelig" são parte de um mesmo personagem, usado pelos três humoristas para expressar as inquietudes e percepções de seus criadores em momentos distintos do século XX. Uma coisa é certa: os caras criaram, deram vida e divertiram milhões de pessoas pelo mundo com uma peculiaridade única, chamada fina ironia. E o "Zezinho", melhor que tudo, com um tempero bem brasileiro.

Câmbio, desligo!

Sérgio Augusto

Editor da Academia da Palavra