segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Empresas elegem governo federal como "garoto-propaganda" favorito

Ambev, GM, Bradesco, Vale e Embratel produziram comerciais de televisão recentes enaltecendo a firmeza do país na crise, a capacidade de superação dos brasileiros, a harmonia entre o público e o privado e a relevância do país no mundo. O Brasil é o país "da iniciativa privada em equilíbrio com o setor público", diz a campanha televisiva "Presença", do Bradesco, segundo maior banco privado brasileiro.

"Há dez anos, quem poderia imaginar a gente emprestando dinheiro para o FMI?", lembra o anúncio televisivo do carro Agile, da Chevrolet/GM. "A crise foi passageira", avisa comercial da maior siderúrgica do mundo, a Vale. "O Brasil vive um momento de ouro", exalta o comercial da Brahma, marca da Ambev. Para as empresas e publicitários envolvidos nos comerciais acima, trata-se de uma estratégia legítima, lógica e antiga.

De fato, não é a primeira vez que o setor privado exibe o otimismo do momento em campanhas publicitárias. Do milagre econômico da ditadura --quando a Volkswagen exibiu um fusca desbravando o país da rodovia Transamazônica-- às tentativas de estabilização da economia, várias campanhas seguiram essa linha. O problema é distinguir marketing da simples adulação -em outras palavras, se o produto anunciado é o
governo.

No passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) condenou toda a ex-diretoria da Petrobras em razão dos gastos da empresa com campanhas publicitárias mostrando os benefícios do Plano Real. A questão fica menos óbvia quando os comerciais envolvem companhias 100% privadas com interesses no governo ou aquelas nas quais o Estado detém participação acionária.

O caso mais emblemático é o da Embratel, empresa de telefonia e de transmissão de dados adquirida em 1998 pelo grupo empresarial do bilionário mexicano Carlos Slim. Em julho, a empresa veiculou um anúncio destacando um programa oficial para fornecer acesso à internet para escolas e centros comunitários em que a rede convencional não chega.

"Por iniciativa do Ministério das Comunicações, que executa o maior programa de inclusão digital da América Latina", informava o comercial. A empresa diz ter apenas creditado, no comercial, a autoria da iniciativa a quem a formulou --o governo, que a contratara para executar o programa. São menos óbvias as implicações e motivações das campanhas de empresas como a Vale, o Bradesco, a Ambev e a GM.

Criador do comercial do Bradesco, Alexandre Gama, presidente da agência Neogama/ BBH nega motivação política. "O Bradesco é o banco mais associado à base da pirâmide social, a mesma base cuja ascensão está na raiz da recuperação econômica do país", afirma Alexandre Gama. Curiosamente, no mês passado, o Bradesco foi pressionado a demitir o executivo Roger Agnelli da presidência da Vale --companhia da qual o banco é acionista e cuja campanha na TV também celebra o fato de o país ter escapado da turbulência internacional.

As pressões contra Agnelli decorreram justamente da falta de sintonia, alegada pelo presidente Lula, entre a política de investimentos da Vale e as prioridades do governo.

Outro lado

As empresas que veicularam comerciais com tons fortemente nacionalistas dizem ser natural que a alegria dos consumidores "contamine" os comerciais de TV. Segundo Marcel Marcondes, diretor de marketing da Brahma, não é de agora que a empresa celebra o espírito "guerreiro" do brasileiro. "Há um ano criamos essa campanha. Se fosse recente, até poderia sugerir uma mistura entre política e publicidade. Mas não é o caso", afirma Marcondes.

Segundo ele, o anúncio em questão é um comercial de oportunidade, veiculado logo após o anúncio de que o Rio será a sede da Olimpíada de 2016. A referência ao "momento de ouro" do país ajuda a reforçar a auto-estima e o orgulho dos consumidores, argumenta o publicitário. O Bradesco diz ter uma história empresarial de clara identificação com o "público da inclusão bancária", exatamente o que agora migra para a classe média no governo do presidente Lula.

Quanto à referência ao equilíbrio entre os setores público e privado, o banco informa: "Vamos organizar a Copa do Mundo e, na sequência, as Olimpíadas. Será um grande esforço de investimento de infra-estrutura, reunindo o capital público e o privado. O pré-sal, o próprio PAC, são grandes projetos que reúnem o esforço do Estado e do setor privado".

Nota divulgada pela Embratel limita-se a informar: "O projeto é do governo federal e a solução é fornecida pela Embratel, conforme descrito no comercial". Procuradas pela Folha, GM e Vale não quiseram se manifestar.

Fonte: Marco Aith/Folha de S.Paulo