quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Artistas pernambucanos radicalizam 15 anos após movimento mangue beat

A imagem-símbolo de uma antena parabólica enfiada na lama tinha contornos de utopia quando lançada no manifesto "Caranguejos com Cérebro", documento fundador do mangue beat, em 1992. Num tempo em que internet era privilégio de poucos, a conexão do mangue com o mundo criou uma identidade contemporânea cultural para Recife no ritmo da linha discada.

Era a combinação das tradições pernambucanas, na música, com cultura pop e hip hop, e, no cinema, com os rituais legitimadores do eixo Rio-São Paulo. Ainda assim, era uma novidade radical o suficiente para reverberar até fora do país e transformar a capital pernambucana em polo cultural. O músico Zé Cafofinho, o cineasta Gabriel Mascaro, a cantora Catarina Dee Jah e o também diretor Tião

Duas gerações e incontáveis gigabytes de informação depois, aquela alegoria se mostra profética. Descompromissada da afirmação da "pernambucanidade", uma nova geração de músicos e cineastas --em geral, com menos de 30 anos- faz um elogio ao pluralismo. Bebem tanto no crescimento caótico da metrópole quanto em filmes coreanos que talvez nunca estreiem no Brasil. E promovem uma nova antropofagia global quase instantânea, na velocidade da banda larga.

Os saltos tecnológicos da última década são a força motriz da evolução na produção dos artistas de agora, na opinião de Renato L., 46, um dos mentores do mangue beat e hoje secretário de Cultura do Recife. "Não acho que exista contraponto mas desdobramento. Cineastas como Lírio Ferreira e Cláudio Assis eram muito bem informados. Chico Science fazia sampler do The Fall", lembra. "Só que isso hoje acontece num grau mais exacerbado, pela capacidade dos artistas tanto de digerir informações como de disseminar seus trabalhos."

A sintonia da nova geração é com um "modus operandi" típico do mundo globalizado: produção simplificada e divulgação em redes, pulverizada. Trata-se de uma escolha em termos. O discurso que contesta os meios de produção tradicionais ecoa no limite de recursos do fomento público. Desde 2007, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) ampliou em 200% os recursos para produções independentes. Hoje, conta com orçamento de R$ 6 milhões apenas para a produção audiovisual.

"Antes, o fomento era individual. Quem tinha acesso ao poder é que tinha fomento", diz Luciana Azevedo, 53, presidente da Fundarpe. "Hoje, os recursos estão alocados majoritariamente em editais, democratizando o acesso a eles", discursa. A parabólica na lama ligava, ponto a ponto, Recife a só um outro lugar. No mundo da internet sem fio, todas as conexões podem levar a Recife; e levar Recife a todo lugar.

Fonte: Fernanda Mena/Folha de S.Paulo