Na América Latina, 60,3% dos pacientes de UTIs têm infecções --quase dez pontos percentuais a mais do que a média mundial, de 51,4%. É o que sugere o maior estudo já feito sobre o tema, que acompanhou, durante um dia (8 de maio de 2007), 13.796 pacientes adultos internados em 1.265 unidades de terapia intensiva de 75 países, em todos os continentes.
Publicada no "Jama" (periódico da associação médica americana), a pesquisa considera tanto infecções prévias à internação quanto as adquiridas nos hospitais -geralmente, cada situação é responsável por cerca de 50% dos casos nas UTIs. Pelo estudo, a América Latina é a região com o maior índice de infecções em UTIs. É preciso levar em conta, porém, que os números relativos à África --que teve o menor índice-- não são confiáveis por causa da baixa quantidade de pacientes estudados nesse continente.
A taxa de mortalidade hospitalar também foi maior na América Latina do que em outras regiões: de 33%, contra 24% da média mundial. "Mais da metade dos pacientes de UTIs infectados é um número muito alto. Esses doentes são muito caros. Nos EUA, por exemplo, 1,5% do PIB [Produto Interno Bruto] é gasto apenas nas UTIs", afirma o brasileiro Eliézer Silva, médico do Centro de Terapia Intensiva do hospital Albert Einstein e um dos autores do estudo.
Outra razão pela qual o dado é preocupante é que, segundo mostra o mesmo estudo, pacientes com infecção têm mais do que o dobro de risco de mortalidade. "Um paciente com infecção internado na UTI depois de uma cirurgia, por exemplo, tem muito mais chance de morrer do que aquele que passou pela mesma operação, mas não tem infecção", exemplifica Ederlon Rezende, presidente da Associação Brasileira de Medicina Intensiva.
Eles também têm mais chance de ficar internados por mais tempo na UTI, o que traz mais custos ao sistema de saúde. São 16 dias de internação na UTI e 29 dias no hospital, para aqueles com infecção, versus 4 e 13 dias para aqueles sem infecção. Segundo os médicos consultados pela Folha, os dados são fiéis à realidade brasileira, pois o maior número de instituições estudadas na região está no país. Foram mais de cem UTIs acompanhadas e cerca de 1.200 pacientes, ficando atrás apenas da Alemanha.
Causas
O estudo não apontou as razões que levam ao maior índice de infecções na América Latina, mas uma das hipóteses é a falta de investimento na área da saúde. Foi verificado, na pesquisa, que aqueles países que investem menor porcentagem do PIB em saúde têm taxas mais altas de infecção. "Quanto menos recursos, menos disponibilidade de leitos, menos estratégias de prevenção e de educação para evitar infecções", afirma Rezende.
A maior mortalidade na UTI no Brasil poderia ser explicada caso os pacientes chegassem ao hospital em estado mais grave do que em outros países. Mas uma análise feita por Eliézer Silva com base em dados de outro grande estudo, que mediu o índice de sepse (infecção generalizada) no mundo, sugere que isso não ocorre. "Parece que o problema está na estrutura montada para atender a esses pacientes", diz.
Muitas medidas para controlar a infecção hospitalar são simples --a lavagem de mãos é uma das mais eficazes. A desospitalização --que pode ocorrer, por exemplo, com o tratamento de doenças menos complexas em hospitais-dia-- também reduz o risco de infecções. Já para diminuir as infecções prévias, que levam à internação na UTI, deve-se tratar os pacientes precocemente. Isso evita que uma infecção urinária, por exemplo, evolua para uma sepse e o paciente precise ir para a terapia intensiva.
71% usam antibióticos
O estudo mostrou, ainda, que 71% dos pacientes de UTIs usam antibióticos, o que pode tornar esses locais focos de resistência bacteriana. Segundo os médicos, em muitos casos esses remédios são inevitáveis, mas também há prescrições desnecessárias -que devem ser reduzidas.
Fonte: Flávia Mantovani/editora-assistente do Equilíbrio da Folha de S.Paulo