Os mais experientes entre os adeptos dos videogames diriam que todas as décadas parecem tumultuadas. Afinal, estamos falando da forma de entretenimento cuja principal plataforma de conteúdo - os consoles - é reinventada a cada cinco anos. Para aqueles que preferem jogar no PC e gostariam de estar sempre na vanguarda da tecnologia - bem, será necessário trocar de placa de vídeo e processador a cada 18 meses.
Mas a década que chega ao fim se destacou principalmente por causa da aceitação dos videogames como passatempo popular. Claro, a popularidade dos aparelhos floresceu na década de 90, quando o marketing eficiente do PlayStation conquistou uma geração de jovens endinheirados. Mas o fenômeno ainda se resumia a garotos jogando juntos. Foi só nos últimos dez anos que a indústria chegou com mais força à sala de estar da família, saindo do quarto do adolescente ou do apartamento do solteirão.
Dizem que isso decorre do impressionante sucesso do Wii, da Nintendo, mas as raízes são mais profundas. Em fevereiro de 2000, a Electronic Arts lançou o jogo The Sims, uma espécie de novela interativa que em 2002 já tinha assumido o posto de jogo de computador mais vendido de todos os tempos. A série já vendeu mais de 100 milhões de cópias e 60% de seus jogadores são mulheres.
Foi também no início da década que a Sony começou os experimentos com a tecnologia de captura de movimentos que em 2003 se tornaria o periférico EyeToy, uma câmera capaz de acompanhar movimentos simples do jogadores e traduzi-los para respostas na tela. Ao mesmo tempo, jogos que utilizavam "tapetes de dança", como o Dance Dance Revolution, encorajaram uma abordagem mais física, e seus recursos de rede de relacionamento e trilha sonora repleta de sucessos novamente atraíram o público feminino.
Em 2004, a Sony lançou seu revolucionário simulador de karaokê Singstar e, um ano mais tarde, a Harmonix nos trouxe o Guitar Hero. Essas inovações ajudaram a aproximar o videogame de atividades mais socialmente aceitas, ao mesmo tempo libertando os jogadores da tirania dos controles com sua miríade de botões e alavancas analógicas.
A disponibilidade e o explosivo crescimento da internet de banda larga também tiveram influência incalculável nos jogos da década. Até 2007, aproximadamente 300 milhões de usuários no mundo acessavam a internet por meio de conexões de banda larga. Isso levou a um impressionante crescimento dos títulos online, com jogos de tiro em primeira pessoa, evoluindo para atrair uma comunidade cada vez maior de fãs obsessivos. Os jogadores começaram a criar suas próprias fases, dando início à febre moderna do conteúdo criado pelos usuários.
Vimos também a ascensão dos RPGs online nos quais milhares de jogadoras habitam simultaneamente vastos mundos virtuais. Foi o lançamento de EverQuest, da Sony Online Entertainment, atraindo meio milhão de jogadores em meados da década e recebendo o apelido de EverCrack graças à sua viciante combinação de aventura e socialização.
Esse foi também o primeiro título online de sucesso no qual os jogadores eram capazes de vender itens virtuais do jogo por dinheiro real. A prática foi industrializada, surgiram verdadeiras fábricas de conteúdo vendável na China e na Índia, com os trabalhadores submetidos a imensa exploração.
O World of Warcraft teve impacto ainda maior. Estima-se que o jogo tenha hoje 11,5 milhões de assinantes, o que confere ao seu mundo virtual uma população superior à da Suécia. Voltemos aos consoles e ao fenomenal sucesso do PlayStation 2, ao qual se juntou posteriormente o Xbox, da Microsoft. Os dois aparelhos usaram seu significativo poder de processamento para inaugurar uma nova era de jogos dotados de ricos recursos gráficos.
Marcas como Resident Evil, Metal Gear Solid e Final Fantasy trouxeram dimensões cinematográficas aos jogos com suas extensas sequências de animação e roteiros complexos. O jogo de tiro e ficção científica Half-Life apresentou o conceito de narrativa contínua dentro da mecânica do jogo - esse novo estilo atingiria seu ápice comercial nas explosivas séries de combate Halo e Call of Duty. Ao mesmo tempo, os jogos da série Grand Theft Auto, da Rockstar, revolucionaram a estrutura dos videogames, oferecendo um grande número de missões que se desenrolam num ambiente vasto e aberto a extensa exploração.
Com o aumento do poder de processamento gráfico, os jogos começaram a ficar mais parecidos com filmes de animação, enquanto os sucessos de Hollywood cada vez mais apostaram nos efeitos produzidos por computador. Diretores como John Woo e Steven Spielberg assumiram papéis ativos no desenvolvimento de jogos: Woo participou do frenético jogo de tiro Stranglehold, da Sega, e Spielberg ajudou a projetar o excelente Boom Blox, jogo de raciocínio para o Wii.
Cineastas como Peter Jackson e James Cameron começaram a enxergar as adaptações de seus filmes para os videogames como elementos cruciais de sua "visão artística mais ampla" - ou, se preferir, do "potencial de lucro" de suas obras. A transição para a geração atual de consoles não se deu sem percalços. A Sony gastou bilhões no desenvolvimento do PS3. Quando o aparelho foi lançado em 2006, estimava-se que a Sony perdia US$ 200 em cada unidade vendida. A Microsoft, por sua vez, teve seus próprios problemas com o Xbox 360.
A Nintendo deve ter observado tudo com satisfação. Esta foi a década em que a grande veterana da indústria decidiu ficar de fora da exorbitante e dispendiosa corrida tecnológica. Em 2004, a empresa lançou o Nintendo DS, aparelho portátil repleto de recursos e dotado de interface compatível com sua tela sensível ao toque. Os críticos não souberam o que pensar, mas, por meio de títulos como New Super Mario Bros, Mario Kart DS e Nintendogs, o dispositivo revelou seu potencial, culminando no fenômeno Dr Kawashima"s Brain Training - talvez o primeiro lançamento destinado ao público mais velho.
Fonte: Keith Stuart/The Guardian