O consumo moderado de álcool não é regra no país. Enquanto metade da população brasileira se diz abstêmia, os bebedores apresentam alto nível de consumo de risco --bebem regularmente e em grande quantidade. Apenas um quarto dos brasileiros consome 80% do álcool ingerido no país. Essas são as conclusões de um estudo que fez um retrato do padrão de uso de álcool pelos brasileiros, realizado pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que acaba de sair na "Revista Brasileira de Psiquiatria".
O estudo, o primeiro levantamento do gênero no país, entrevistou 2.346 indivíduos com mais de 18 anos em 143 cidades. Os resultados mostram que 48% não haviam ingerido álcool nos últimos 12 meses. Por outro lado, do total da amostra, 28% relataram pelo menos um episódio de crise de ingestão ("binge drinking", mais de cinco doses em homens e quatro em mulheres em uma ocasião).
Um quarto da amostra relatou ao menos um tipo de problema relacionado ao álcool (entre questões de saúde, familiares, no trabalho e violência), 3% preencheram os critérios para abuso e 9%, para dependência química. No Sul consome-se com maior frequência; nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, em maior quantidade.
Outro problema apontado é que o alto consumo de álcool continua até por volta dos 40 anos de idade. Em outros países, a ingestão cai após os 20. Segundo a pesquisa, a bebida mais ingerida é a cerveja (mais de 60%), seguida do vinho. "Trata-se de uma das principais causas de morte e de violência doméstica", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, líder do trabalho. "No entanto, não há políticas consistentes para reduzir o consumo."
"É preciso persistência nos esforços de conscientização e medidas restritivas", diz o psiquiatra Carlos Salgado, presidente da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas. "Os efeitos do álcool no organismo variam de pessoa para pessoa e há quem sofra danos mesmo com baixas doses. Por isso, a dose sem risco é zero, já que não se sabe qual pessoa tem predisposição a desenvolver dependência."
Segundo Salgado, entre os adolescentes, a bebida é especialmente perigosa, pois o cérebro ainda está em formação e a chance de fixar o interesse pela substância é maior. "Só havia estudos regionais ou que mensuravam abuso e dependência. Esse é o primeiro que mostra como o brasileiro bebe", diz a psiquiatra Camila Magalhães Silveira, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, de São Paulo, e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.
"Em 2004, a OMS (Organização Mundial da Saúde) percebeu que dados do consumo per capita não mostravam necessariamente as regiões que tinham problemas com o álcool. Um exemplo é a França, que tem alto consumo per capita e, no entanto, os franceses bebem moderadamente", diz a pesquisadora. Ela é autora de um estudo que mostrou que a prevalência de episódios de consumo pesado de álcool em São Paulo é de 15,4% nos homens e de 7,2% nas mulheres.
Política global
No mês passado, a OMS publicou uma resolução recomendando aos países membros a adoção de uma estratégia global, nos padrões das ações contra o tabaco, para reduzir o consumo abusivo de álcool. "Na prática, a resolução indica que a OMS se esforçará para convencer os países membros a se adaptarem a essa nova política. Isso fortalece a busca de soluções", afirma Laranjeira.