Os primeiros testes com células-tronco em seres humanos estão próximos de acontecer, relata o cientista Stevens Rehen, um dos maiores especialistas do Brasil nesse assunto. Segundo o pesquisador, que trabalha na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quem está mais próximo de testar uma terapia usando células-tronco é a empresa Geron, dos EUA, que estuda técnicas para regenerar lesões na medula espinhal.
Na semana passada, um estudo da Universidade Stanford provou que é possível converter células da pele diretamente em neurônios, sem que seja necessário transformá-las antes em células-tronco. Em entrevista ao G1, o cientista comemorou os resultados da pesquisa, mas ressaltou que ainda são necessários testes para saber se o procedimento não gera teratomas – tumores que podem aparecer em tecidos humanos gerados com células-tronco.
O pesquisador também alertou para novos dilemas éticos que podem surgir com o avanço das descobertas na sua área. Confira, abaixo, a conversa com Stevens Rehen. Para entender melhor o assunto, veja no infográfico quais são os três métodos conhecidos para mudar a função das células e torná-las úteis no tratamento de doenças.
G1 - A empresa norte-americana Geron está tentando há algum tempo fazer testes com células-tronco em humanos para tratar lesões da medula, mas não consegue autorização. Em que área você acha que vai surgir o primeiro teste para um tratamento?
Stevens Rehen - Ainda acho que será o pessoal da Geron, mesmo. Fui lá em 2008, conversei com eles, e o trabalho é interessante. Eles estão tentando se cercar para evitar algum efeito colateral. O que fez o FDA [agência responsável pelo controle de drogas e alimentos nos EUA] segurar essas pesquisas é que alguns animais que receberam essas células apresentaram um cisto no local da injeção. Segundo eles, não tinha característica de um teratoma, mas era um cisto, e isso assusta todo mundo. O primeiro teste provavelmente será feito com paraplégicos.
G1 - É possível prever quando serão feitos os primeiros testes?
Stevens Rehen - O FDA pediu para a Geron rever os resultados e tentar explicar o motivo dos cistos. Eles estão trabalhando como loucos para isso. Eu não me surpreenderia se os testes começassem ainda neste ano. Mas como é uma área que tem muita atenção da sociedade, que tem uma visibilidade muito grande, qualquer procedimento que seja mal feito pode jogar por água abaixo um investimento de muitos anos.
G1 - Uma pesquisa recém-divulgada pela Universidade Stanford reforça a ideia de que as células embrionárias podem não ser necessárias para reprogramar a função das células. Isso traz alívio para a discussão sobre o uso de embriões?
Stevens Rehen - Talvez tenha aliviado o dilema ético na utilização de embriões, mas vão surgir outros até mais complicados. Imagine, por exemplo, se você conseguir retirar pele de uma pessoa e gerar um óvulo. Em seguida esse óvulo será fecundado, e você terá a geração de uma pessoa a partir da pele de alguém que talvez nem saiba que tenha doado aquela pele.
Imagine que alguém tenha tirado um pedaço de pele do Michael Jackson, e que daqui a alguns anos essa pele seja reprogramada em espermatozóides e dê origem a um filho legítimo dele. "Um exemplo um pouco mais bizarro: imagine que alguém tenha tirado um pedaço de pele do Michael Jackson antes de ele ser sepultado, e que daqui a alguns anos essa pele seja reprogramada, se transforme em espermatozóides e dê origem a um filho legítimo dele.
Mas vale a pena ratificar que as células-tronco embrionárias ainda não perderam importância. Os possíveis transplantes que estão sendo estudados ainda vão ser realizados com as células-tronco embrionárias.
G1 - Quais as vantagens que o método recentemente descoberto, de transformar células da pele diretamente em neurônios, traz para o estudo com células-tronco?
Stevens Rehen - O grande desafio para quem trabalha com célula-tronco embrionária ou célula pluripotente [que pode se transformar em outras] é que você não tem como garantir que cem por cento do que você diferenciou [transformou em outra célula] vai virar neurônio. Se sobrar um por cento daquelas células que tenha característica pluripotente, isso pode ser um perigo, porque essa célula pode se transformar em um teratoma, virar um câncer.
No caso da pesquisa de Stanford, eles sugerem que isso está mais seguro, pois é intuitivo você pensar que aquelas células não têm capacidade de virar um teratoma, pois elas estão indo direto da forma de pele para neurônio. Mas eu senti falta de um ensaio de teratoma, um teste em que você injeta essas células em um camundongo para ver se elas podem gerar tumores.
G1 - Como está o Brasil no estudo das células-tronco em relação aos outros países ?
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Stevens Rehen - Temos a Rede Nacional de Terapia Celular, associada ao Ministério da Saúde, que é formada por oito grandes laboratórios nacionais e mais 52 laboratórios que estão recebendo verba do governo para trabalhar com terapia celular.
Há gente fazendo desde terapia experimental para diabetes – com seres humanos, usando células da medula óssea – até gente fazendo reprogramação celular. Também um grupo que está usando células da medula óssea para tentar tratar acidente vascular cerebral, cardiopatia, doença de Chagas. São tratamentos que serão muito mais baratos do que o disponível hoje para esses pacientes, e que poderiam ser usados no SUS. Nessas pesquisas estamos muito bem posicionados.
E há um grupo, ainda pequeno no pais, interessado em trabalhar com células-tronco embrionárias e com células de pluripotência induzida [veja infográfico]. Para isso, ainda falta massa crítica. É uma área muito nova, e a comunidade científica brasileira ainda é muito pequena em relação ao tamanho país. Nessa área, não podemos competir com os EUA, Inglaterra, Austrália, Japão e nem mesmo com a China, mas estamos bem posicionados na América Latina.