sábado, 6 de março de 2010

"Consultores do crime" dão apoio à equipe de Tropa de Elite 2

O capitão Nascimento, personagem interpretado pelo ator Wagner Moura no filme 'Tropa de elite', vai ter que enfrentar uma quadrilha muito bem preparada. Para reproduzir com tintas de realidade um confronto entre traficantes e policiais, a produção do diretor José Padilha foi atrás de pessoas “formadas” pelo cotidiano violento das favelas. As cenas para o “Tropa de elite 2”, que deve estrear em agosto, prometem deixar o público de cabelo em pé.

O principal instrutor das cenas, que passa orientação ao elenco de apoio sobre a postura e gírias usadas pelos traficantes, é Alexandre Santos Rodrigues, 36 anos, mais conhecido como o rapper MC Jovem Cerebral. Ex-presidiário, ele, que já foi assaltante e fez parte de uma facção criminosa, recebeu o aval de Padilha para formar a “quadrilha” que ataca policiais nos morros e lidera uma rebelião em um presídio.

Diante do elenco, Alexandre explica que traficantes da maior facção criminosa do Rio costumam vibrar com uma conquista ao invadir uma comunidade rival, matar policiais ou sair ilesos de uma perseguição com a seguinte frase: “É nós!”. Para Alexandre, isso é usado muitas vezes como um verdadeiro grito de guerra. Os integrantes desse bando também podem ser identificados pelas roupas que usam, de duas grifes esportivas famosas, mas sobretudo pelo linguajar, gestos e expressões faciais. Um policial infiltrado na quadrilha que esteja desinformado desses pequenos detalhes pode ser facilmente descoberto. Um erro fatal.

Ele lembra ainda que, dentro dos presídios, o comportamento e informação sobre de que favela saiu são detalhes determinantes para que o preso não caia na galeria dos rivais e seja assassinado. Uma das cenas foi filmada em um cenário de 500m² que reproduz o presídio Bangu I, no Rio. O espaço, construído especialmente para a produção, levou dois meses para ser erguido e contou com cerca de 40 profissionais.

Cidade partida

“É um grande desafio fazer esse trabalho. Contribuo com a minha vivência para ajudar os atores a interpretarem uma realidade dura e que exige muita força para transmitir o que significam essas cenas de violência. Infelizmente, ainda vivemos numa cidade partida, e, nesse jogo, cada um deve saber de que lado está no tabuleiro”, afirma, num discurso que lembra o tom proposto pelo roteiro do filme.

Outros atores, que participam do elenco de apoio, reforçam seus conhecimentos da vida em comunidades para emprestar mais realidade às interpretações. É o caso de Diego Barbosa, 22 anos, que interpreta um traficante. Nas filmagens realizadas no início de fevereiro no Morro Dona Marta, em Botafogo, Zona Sul, onde mora, ele passou por um grande cerco policial e ataque de helicópteros. Mais de cem pessoas estavam no set, entre atores, equipe e figurantes.

"Saí por uma janela, correndo, enquanto atiravam em cima de mim. Moro no morro mas não sou bandido, nunca fui. Eles corrigiram minha postura várias vezes. Até o jeito de andar, de correr e o modo de carregar o fuzil. Ainda me maquiaram para eu ficar com cara de pernoitado”, conta o rapaz, que perdeu o irmão, que era traficante, assassinado aos 18 anos, além do pai, morto por um grupo de extermínio na Baixada Fluminense.

À espera de uma oportunidade

“Quero ter uma oportunidade, conseguir um trabalho e comprar minha casa. Vida de bandido não é boa para ninguém. Se aquelas cenas fossem reais, os policiais não teriam errado. Eu teria virado peneira com aqueles tiros todo”, afirma Diego.

Quem também aproveitou a experiência para fortalecer o personagem foi o ator Deiwis Jamaica, 30 anos, que passou por comunidades de Realengo, na Zona Oeste, e Cidade Alta, no subúrbio. “Fui assediado muitas vezes pelo mundo do crime. Graças a Deus, resisti, saí disso e busquei um espaço que me orgulho, com meu trabalho honesto. Sou um bandido no filme, não precisei entrar para o crime para isso”, afirma Jamaica, que participou de cenas fortes durante as filmagens de rebelião no presídio.

Alexandre, o Jovem Cerebral, foi chamado por Padilha desde o início das filmagens do primeiro "Tropa de elite". Durante uma das reuniões, reconheceu Rodrigo Pimentel, capitão reformado do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e roteirista do filme.

Na conversa, descobriram que estavam de lados opostos em 1994. Na época, quando fazia parte da quadrilha de traficantes do Morro da Mineira, Catumbi, Centro do Rio, Jovem chegou a trocar tiros durante as incursões do Bope na favela. Ao bater datas e horários, os dois descobriram que Pimentel estava em muitas daquelas operações. Amigos, Pimentel cita Jovem como exemplo de recuperação de quem saiu da vida do crime.

Fora do set de filmagem, Jovem dedica-se ao seu trabalho como vocalista da banda Stereo Maracanã, que mistura influência black, levadas de hip hop e muita percussão. O grupo já se apresentou em casas de shows na Alemanha, Holanda, França, Bélgica e cidades da Inglaterra.

Fonte: Aluizio Freire/G1