sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Noel Rosa maior que Heitor Villa Lobos?

No traço elegante de Carlinhos Müller, Noel Rosa dialoga, no idioma do samba, com outro gênio da MPB, Lamartine Babo
Embora um tanto timidamente, o centenário de Noel Rosa (1910-1937) vem sendo lembrado em shows, CDs, seminários e livros --como "Noel Rosa - O Poeta do Samba e da Cidade" (Casa da Palavra), de André Diniz. Mas uma das homenagens mais interessantes ficou para 2011.Trata-se de um livro organizado por Júlio Diniz, coordenador do programa de pós-graduação em letras da PUC-Rio, com artigos de diversos pesquisadores sobre o impacto de Noel na formação da música popular brasileira.

Segundo Diniz, a ideia é mostrar que a influência do compositor teve reflexo em toda a produção musical subsequente, incluindo a bossa nova e as canções de Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. "Ele influenciou a música brasileira mais do que Villa-Lobos", diz. De acordo com o pesquisador, Noel é o protagonista de um movimento modernista carioca que divergiu do modernismo paulista, celebrado na Semana de Arte de 1922, e que, ao menos no âmbito musical, foi o que herança maior deixou ao país.

Diniz afirma que, enquanto os paulistas tinham um projeto para a música brasileira, que passava pelo resgate do cancioneiro popular e folclórico --e pela elevação deste através do conhecimento erudito--, os cariocas não tinham projeto, mas promoveram uma mistura muito mais horizontal do samba com a cultura burguesa.

MISTURA

"Noel foi o primeiro compositor branco e letrado a subir o morro para fazer músicas com parceiros negros. Mesmo sem estar a serviço de uma ideologia, ele inaugurou uma mistura que marcou a música brasileira daí em diante", diz. Carlos Didier, biógrafo de Noel ao lado de João Máximo, diz que ele teve 18 parceiros negros e mestiços, incluindo Ismael Silva, Cartola e Canuto.

Morto de tuberculose aos 26 anos, compôs 252 canções em oito anos de carreira e conseguiu transportar para as letras um amplo leque de temas que escapavam do tema único da malandragem. "Ele abordou assuntos como o telefone e o cinema falado, e sua produção é tão atual como a de Machado de Assis", afirma Diniz.

O pesquisador e compositor paulista Luiz Tatit concorda com a preponderância de Noel Rosa na construção da música popular brasileira. Segundo ele, Noel inaugurou a confiança no samba como uma linguagem autônoma, divergente da linha folclórica e da erudita, o que serviu de fundamento para a MPB. "Ele tinha orgulho de ser sambista, diferentemente de Ary Barroso, que, embora tenha feito sambas maravilhosos, tinha uma espécie de nostalgia de uma produção mais elevada", diz.


Fonte: Marcelo Bortoloti/ Folha de S.Paulo