Ingmar Bergman é sempre Ingmar Bergman e mesmo em seus momentos menos inspirados ainda é infinitamente melhor que os Burtons e Tarantinos da vida. É o que tenho a dizer após assistir um documentário sobre o cara. Sem nenhuma divulgação ou estardalhaço, eis que lá pelas tantas encontro na locadora "A Ilha de Bergman" e mais por curiosidade o levo pra casa.
Cara, o documentário tem só 83 minutos e nenhuma produção especial, mas é mais rico e profundo que a maioria dos "Homens de Ferro" e "Alices" que andam enchendo as telas e a paciência de quem gosta de cinema. Direto da Ilha de Farö, ali há um Bergman meio receoso de comentar sua obra, meio reticente por admitir que a idade chegou e não pôde fazer a metade do que gostaria.
Fazer o quê, né? Ingmar poderia ter concebido apenas "O Sétimo Selo", ou "A Fonte da Donzela" ou ainda "Gritos e Sussurros" que já seria um mestre. Mas ele abusou da capacidade de criar e ainda soltou "O Ovo da Serpente", "Sonata de Outono", "Persona", "Através do Espelho" e "Fanny e Alexander". Chega né? Já basta e não precisa dizer mais nada.
Quando perguntado sobre seus demônios, o cineasta é mais uma vez provocativo. Diz que tem medo de gatos, cães, pássaros mas não teme a morte. Teme o rancor e o medo, mas talvez não se apiade ou acanhe diante da hora fatal. Chego à conclusão de que Bergman, se tivesse mais uns dez anos de vida pela frente, ainda teria inventado uma forma de neutralizar o tempo, ainda que em gotas.
Isso me faz lembrar a cena de "O Sétimo Selo", quando o cruzado se defronta com a morte e a convida para uma partida de xadrez. Já viu metáfora maior que esta? O cara luta por um ideal, fica cara a cara com a morte, a desafia para um duelo e, diante de uma mar calmo, que por incrível que pareça não conspira couraças, ainda filosofa sobre a infinitude do tempo, isso sem se esquivar de abstrações de tempo e espaço. Só Bergman mesmo!
Dica de um quase cinéfilo: assista "A Ilha de Bergman". No mínimo, o sueco vai te provocar questionamentos e isso já vale o dia. Esse veio mesmo pra questionar e provocar, mas da maneira como só ele sabia fazer: com altas doses de ironia e simplicidade.
Sérgio Augusto
Editor da Academia da Palavra