domingo, 30 de maio de 2010

Drummond e os fãs: as cartas que falam


Num papel de carta decorado com adesivos de bichinhos, uma zootécnica de Rio das Ostras (RJ) escreveu, em 16 de fevereiro de 1987: "Querido Drummond, tenho certeza que você sabe o quanto me senti feliz em receber seu livro. Eu esperava que você me respondesse, mas não acreditava. Entende, né? Quase morri. Foi muito bom".

Ela então relata como a correspondência lhe deu sorte, fala do novo emprego na prefeitura, da mudança de casa, do namorado, das leituras. Abre o coração. "Eu poderia te escrever melhor, mas é que que[neste ponto a escrita é interrompida pelo adesivo de um ursinho]ro te escrever como falo, senão não faz sentido. Aí, me perco." Ela se despede com "muitos beijos carinhosos" e deseja "tudo de bom".

A zootécnica de Rio das Ostras, que não foi localizada pela reportagem (assinava Soraia Leraik), é um dos 1.812 correspondentes de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) registrados no arquivo do poeta na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio. É conhecida a sua correspondência com outros grandes escritores, como Bandeira, João Cabral e, especialmente, Mário de Andrade, já editadas em livro.

Menos notória é a relação que criou do nada, por carta, com dezenas, talvez centenas, de desconhecidos --leitores, aspirantes a poeta, professores, mineiros desterrados como ele, curiosos. A Folha revirou os arquivos e, a partir da correspondência passiva, encontrou alguns desses interlocutores nem tão célebres. Descobriu também um Drummond solícito e educado com qualquer remetente (costumava se penitenciar com esparro zombeteiro pela demora na resposta), quase sempre afetuoso. Conforme a demanda, assumia o papel de conselheiro sentimental, tutor literário, comentador das miudezas cotidianas.

Os que conheciam a fertilidade de Drummond no quesito têm certeza que há incontáveis cartas dele espalhadas por aí, prontas a semear acervos e estudos. Na visão do neto Pedro Graña Drummond, responsável pelo espólio do avô, "para ter uma ideia mais ampla dessa correspondência, haveria que fazer um levantamento minucioso, e também anunciando a iniciativa em jornais, para tentar encontrar os destinatários das cartas que ele mandou

Fonte: Fábio Victor/Folha de S.Paulo

Foto: Marisa Cauduro/Folha Imagem