Jim Morrison não era nada. Artisticamente, não passava de um jovem jeitoso em quem uma guitarra poderia ficar bem. E só. Mas era tudo de que a banda Rick and the Ravens precisava para animar uma festinha de formatura na Marina de Los Angeles naqueles anos 60. Só havia dois problemas: 1.) Jim Morrison não sabia tocar guitarra. 2.) Jim Morrison não sabia cantar.
Ali baixinho, ao pé do ouvido, Ray Manzarek, amigo de universidade e tecladista, deu as coordenadas: "Jim, faz o seguinte: coloca a guitarra no volume zero." O show acabou, Jim recebeu seus 20 dólares de cachê e agradeceu. "Ray, este foi o dinheiro mais fácil que já ganhei."
A história andou e Jim Morrison, mesmo ícone à frente dos Doors, se tornaria tudo, menos um bom vocalista. The Doors por the Doors, trabalho rico colhido em entrevistas e pesquisas pelo jornalista americano Ben Fong-Torres, ex-repórter da Rolling Stone e último homem a entrevistar Morrison, mexe no vespeiro. Sua qualidade maior é não se ajoelhar diante do túmulo para tratar o roqueiro como um deus.
As fontes são pessoas que estiveram no olho do tornado, como o pai, George Morrison, além de irmãos, amigos, produtores e os integrantes da banda que chegou a ser chamada de ‘Beatles americanos’.
Fong-Torres assume muitas vezes uma escrita em primeira pessoa, o que lhe garante diferenciais sobre outras biografias feitas por quem não esteve ao lado do cantor. Mas se estava tudo em suas mãos, por que não fez o livro antes? Torres diz que muitos nós tiveram de ser desatados entre os músicos, que não chegavam a consensos sobre direitos comerciais. "Mesmo com isso e os direitos cedidos para um novo documentário, When You're Strange, eu me adiantei aos cineastas", diz, em referência ao filme de Tom DiCillo, sem data para chegar aqui.
O que manteve os Doors na estrada? Eis a pergunta que Torres se fez ao constatar o nível de desleixo com que Morrison levava sua carreira. Coube ao tecladista Ray Manzarek, ao guitarrista Robbie Krieger e ao baterista John Densmore respirar fundo e contar até três. Muitas vezes. "Morrison sempre agiu de forma pouco profissional e descontrolada. Colocou em risco a carreira da banda." Ele passa aqui por um episódio de 1967, quando o vocalista foi preso em Miami, após um show onde mostrou seus órgãos genitais no palco. "Depois disso foram cancelados inúmeros concertos e várias estações de rádio pararam de tocar suas músicas. Mas eles estavam com ele." Por pouco, cita Torres, o baterista Densmore não largou tudo. "Ele ficou muito cansado e tentou sair uma ou duas vezes, mas sempre voltou. Não importava a forma como Jim vivia. O que importava era a lealdade, a perseverança, a tolerância. Foi incrível para mim perceber isso."
O autor diz que praticamente todas as biografias de Morrison relatam que ele foi para a universidade sem o conhecimento e a aprovação dos pais. Na apuração de Torres, a família discorda desta versão. O pai, George Morrison, diz ter ficado satisfeito com a decisão do filho de estudar cinema. "Fiquei maravilhado. Achava que seus talentos se adequavam àquela linha de trabalho."
A estratégia para fazer voar alto o primeiro compacto, Break On Throught (To The Other Side), funcionou até certo ponto. Do próprio estúdio onde gravaram o disco, os músicos dispararam a ligar para as emissoras de rádio pedindo a música como se fossem simples fãs. Até que a garota que atendia ao telefone percebeu a fraude. "Ok, parem de ligar. Nós sabemos que vocês ou fazem parte da banda ou estão recebendo para fazer isto."
As fragilidades vocais de Morrison não são camufladas no livro. John Densmore, o baterista, conheceu o amigo na garagem de Ray Manzarek durante os primeiros ensaios da banda. Com cuidado, ele esbarra na sensação que teve ao ver Jim cantar pela primeira vez. "Ele nunca tinha cantado antes, estava apenas começando. Sua voz não era encorpada, mas ele tinha total confiança em si mesmo, algo do tipo ‘vou me tornar vocalista.’ Nada de cantar a partir do diafragma ou de técnicas especiais, apenas cantava, gritava ou o que quer que fosse aquilo que estava fazendo", comenta no livro.
O próprio Morrison tinha consciência de suas limitações. Ao falar com Manzarek na praia de Venice sobre a ideia de formar os Doors, abriu-lhe o coração. "Não sei… Sou meio tímido e a minha voz não é lá tão boa." Ao que Manzarek devolve: "Sua voz não é tão boa? Bob Dylan é famoso internacionalmente com aquele guincho que é a voz dele." Morrison então enfiou as mãos na areia e começou a cantar Moonlight Drive. "Assim nasceram os Doors: as letras de Jim somadas à minha música climática", diz Manzarek.
Aos brasileiros, um belo tira-gosto. A influência da bossa nova nos Doors é um fato, maior do que a própria música pode transparecer. Em entrevista ao Estado (leia abaixo), Ray fala de como sons joãogilbertianos passaram a ser perseguidos pela banda.
The Doors por The Doors - Autor: Ben Fong-Torres. Editora: Ediouro. 432 págs. Preço: R$ 59,90
Filme traz cenas inéditas da banda, por Flávia Guerra
Se as portas da percepção entrassem em colapso, tudo pareceria como é: infinito. Este detalhe do poema de William Blake, que inspirou o nome de uma das bandas mais controversas da história, também inspira o diretor Tom DiCillo em When You’re Strange, primeiro documentário feito sobre a banda que nasceu em 1965 nos câmpus da Ucla (Universidade de Los Angeles), onde Jim Morrison e o tecladista Ray Manzarek estudavam cinema.
Quem pensa que tudo já foi dito, e filmado, sobre o Doors em The Doors, de Oliver Stone, não perde por esperar. When You’re Strange, ainda sem data para estrear no Brasil, não faz revelações bombásticas, mas tem o mérito de trazer imagens inéditas.
Fonte: Fernando Moura/ Estadão
Foto: Araldo Di Crollalanza/Rex Features
Nota: Discordo exatamente da parte em que a matéria diz que Jim Morrison não sabia cantar. Tocar guitarra ou qualquer outro instrumento, Jim realmente não sabia, mas cantar sabia sim. Basta ouvir as gravações ao vivo de "Unknown soldier", "The end", "Riders on the storm", "When the music is over" ou "Back door man". Se isso é não saber cantar o que dizer do Fiuck, filho do cantor Fábio Jr. e produto de um enlatado televisivo? Fica o questionamento.
Sérgio Augusto
Editor da Academia da Palavra